Espiões israelenses têm um histórico de décadas do uso de telefones e outros aparelhos para rastrear, vigiar e até assassinar seus inimigos.
Em 1972, como parte de sua vingança contra a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) pelo assassinato de 11 atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique, agentes do Mossad trocaram a base de mármore do telefone usado por Mahmoud Hamshari, o representante da OLP em Paris, em seu apartamento francês.
Em 8 de dezembro, quando ele atendeu o telefone, uma equipe israelense nas proximidades detonou remotamente os explosivos escondidos dentro da base falsa. Hamshari perdeu uma perna e morreu logo depois.
Em 1996, a agência de segurança interna de Israel, a Shin Bet, conseguiu induzir Yahya Ayyash, um habilidoso fabricante de bombas do Hamas responsável pela morte de dezenas de israelenses, a aceitar uma ligação de seu pai em um celular Motorola Alpha levado para Gaza por um colaborador palestino.
Dentro do telefone haviam cerca de 50 gramas de explosivos —o suficiente para matar qualquer pessoa que estivesse segurando o aparelho junto ao ouvido. Ambos os casos agora são tratados como momentos lendários da história da espionagem israelense.
Entre ex-oficiais de inteligência, os casos são considerados sucessos exemplares, nos quais os telefones serviram a vários propósitos cruciais: monitorar e vigiar o alvo antes do assassinato; identificar e confirmar sua identidade; e, finalmente, possibilitar o uso de pequenas cargas explosivas que mataram apenas Ayyash e Hamshari em cada caso.
Quando centenas de pagers explodiram repentinamente em todo o Líbano na tarde de terça-feira, a suspeita imediatamente recaiu sobre Israel, a única potência regional com uma rede de espionagem capaz de realizar um ataque tão audacioso, sofisticado e coordenado.
O Hezbollah recorreu aos pagers para evitar a vigilância israelense após um apelo público do seu líder, Hassan Nasrallah, para que os membros do grupo abandonassem seus smartphones, já que Israel intensificou os ataques contra seus comandantes durante quase um ano de confrontos crescentes.
Sem capacidades de GPS, microfones ou câmeras, e com transmissão de texto muito limitada, os pagers têm menores “superfícies de ataque” do que os smartphones, tornando-os mais difíceis de hackear.
O Hezbollah parece ter priorizado esses aparelhos pela mesma simplicidade: eles coletam muito poucos dados para serem desviados pela inteligência militar de Israel.
Mas eles parecem não ter contado com a possibilidade de que os pequenos dispositivos, geralmente alimentados por pilhas AA ou AAA —e nos modelos mais novos, baterias de lítio— pudessem ser forçados a explodir.
Dois ex-oficiais israelenses, ambos com experiência em hackear as comunicações e outras operações dos inimigos do país, disseram ao Financial Times que os pagers geralmente não têm baterias grandes o suficiente para serem forçadas a explodir com intensidade suficiente para causar os ferimentos vistos nos vídeos postados dos hospitais de Beirute.
Muitos dos feridos nos vídeos estão sem dedos e têm ferimentos faciais, enquanto outros estão sangrando muito pelas coxas —perto de onde normalmente estariam os bolsos das calças— e, em alguns casos, pelo abdômen.
Os oficiais disseram que existiam duas possibilidades óbvias: um ataque cibernético em que um malware forçou a bateria de lítio do pager a superaquecer e depois explodir, ou uma intervenção conhecida como “ataque à cadeia de suprimentos”, em que um carregamento de pagers destinado ao Líbano pode ter sido interceptado e uma pequena quantidade de explosivo inserida clandestinamente.
Dada a pequena dimensão das explosões, ambos os ex-oficiais disseram que o ataque cibernético parecia provável, embora seja tecnicamente complexo.
“Não é fácil, mas você pode fazer isso com um único dispositivo remotamente, e mesmo assim você não pode ter certeza se ele pegará fogo ou realmente explodirá”, disse um dos ex-oficiais. “Fazer isso com centenas de dispositivos ao mesmo tempo? Isso seria uma sofisticação incrível.”
Mesmo hoje, existe um pequeno mercado para pagers em indústrias onde os funcionários precisam receber mensagens de texto curtas, como hospitais, restaurantes e armazéns.
Embora as próprias mensagens de texto pudessem ser facilmente interceptadas pela inteligência israelense, seu significado poderia ser disfarçado usando códigos, tornando seu apelo ao Hezbollah óbvio, disse um dos ex-oficiais.
Como os membros do Hezbollah eram o grupo mais provável de estar usando os pagers no Líbano, seria possível ter relativa certeza de que os alvos seriam essas pessoas, disse um ex-agente.
“Mesmo para o Hezbollah, esta deve ser uma investigação muito fácil —todos os dispositivos em questão eram do mesmo fabricante, talvez chegando no mesmo carregamento?” disse um dos ex-oficiais.
Se todos fossem de um único lote, ou de um único fornecedor, isso levanta a possibilidade de que os carregamentos foram interceptados e pequenas quantidades de explosivos inseridas neles.