Na última quinta (19), o governo federal assinou um termo de conciliação em que o Ministério da Tecnologia e Inovação e o Comando da Aeronáutica renunciam à demanda de expansão do Centro de Lançamentos de Alcântara sobre territórios quilombolas. Um Decreto de Interesse Social e uma Portaria de Reconhecimento destravam o processo de titulação dos quilombos de Alcântara.
“Não é taça na mão, ainda precisamos de esforços para o processo complexo, lento e burocrático da demarcação, como é em todo o país. Mas politicamente temos uma vitória épica”, explicou Ronaldo Santos, Secretário Nacional de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos do Ministério da Igualdade Racial. “A perspectiva de ampliação da base militar, como estava previsto no último acordo com os Estados Unidos, está superada.”
Danilo Serejo, quilombola de Alcântara e cientista político, concorda que foi dado um passo importante rumo à titulação —posse definitiva das terras— mas pondera: “o histórico de descumprimento de acordos em Alcântara pelo Estado não me permite comemorar ainda. O termo de conciliação em si é juridicamente frágil, e pode falhar no que mais importa: o título”.
Danilo também afirma que o acordo se antecipa à sentença da Corte Interamericana, que está julgando as violações do Estado brasileiro em Alcântara. “A oportunidade de se ter na Corte IDH pela primeira vez um precedente jurídico de proteção da propriedade coletiva de comunidades quilombolas pode cair por terra.”
Alcântara, no Maranhão, é a cidade brasileira com a maior porcentagem de população quilombola: 84,6%. É também uma das regiões mais adequadas ao lançamento de satélites e foguetes do mundo, por sua proximidade à linha do Equador. Em 1983, a FAB (Força Aérea Brasileira) inaugurou ali o centro de lançamentos que, para ser construído, deslocou 312 famílias quilombolas compulsoriamente. Desde então, projetos de cooperação internacional tiveram a intenção de ampliar a base, e os deslocamentos.
A Constituição de 1988 assegurou a remanescentes de quilombo o direito à propriedade de terras. A convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre Povos Indígenas e Tribais determina consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais sobre medidas que afetem seus territórios e modos de vida. Ainda assim, em 2002, o governo Fernando Henrique Cardoso negociou com os EUA uma proposta de ampliação, rejeitada pelo Congresso, que viu risco à soberania nacional. Em 2004, o governo Lula firmou parceria com a Ucrânia na criação de uma empresa binacional para explorar o centro, revogada em 2015. O governo Temer retomou as negociações com os EUA, que resultaram em novo acordo firmado pelo governo Bolsonaro em 2019.
Movimentos como MABE, MOMTRA, STTR e ATEQUILA denunciam as violações constantemente, além de terem articulado com o Senado norte-americano a determinação de que não se destinassem recursos à remoção das comunidades. Em julho de 2024, respondendo aos movimentos, a OIT recomendou que o Brasil titulasse territórios, assim como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já havia feito em 2020. Em audiência pública da Corte IDH, em 2023, o Estado brasileiro reconheceu a violação de direitos das comunidades quilombolas de Alcântara.
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