O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou, durante seu discurso na Assembleia-Geral da ONU, a falta de equilíbrio de gênero nos principais cargos da ONU e destacou que a entidade nunca foi chefiada por uma mulher.
Fundada em 1945, a ONU teve até o momento nove secretários-gerais, todos homens. A expectativa entre diplomatas que acompanham os trabalhos da entidade é que a situação mude em 2026, quando será escolhido o sucessor do português António Guterres.
Existe uma regra informal de rotação das regiões de origem dos secretários-gerais. Na próxima seleção, em tese, o posto deve ficar com um nome da América Latina e do Caribe. Há pelo menos seis mulheres vistas como potenciais candidatas para a entidade, disseram à Folha diplomatas que acompanham a ONU.
O processo de escolha é complexo. O eleito é sacramentado pela Assembleia-Geral, onde 193 países têm voto, mas antes precisa passar pelo crivo do Conselho de Segurança —bem mais restrito, com 15 participantes, sendo cinco com assento permanente e poder de veto.
Na prática, isso significa que o secretário-geral precisa ser um nome aceito pelas cinco potências do conselho: Estados Unidos, China, França, Reino Unido e Rússia. Com o mundo dividido pela disputa geopolítica entre americanos e chineses e pela Guerra da Ucrânia, a tarefa é ainda mais difícil em relação ao processo que culminou com a reeleição de Guterres, em 2021.
A exigência de aval do Conselho de Segurança pode ser uma barreira para o nome preferido de Lula para a disputa, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet.
Em 2022, nos instantes finais de seu mandato como Alta Comissária para Direitos Humanos da ONU, Bachelet divulgou um relatório que afirmou que a China cometeu graves violações de direitos humanos contra os uigures, minoria muçulmana que ocupa a região de Xinjiang.
O regime chinês fez intensa pressão para que o documento não fosse publicado. Uma vez divulgado, atacou as conclusões apontadas por Bachelet. Diante disso, diplomatas ouvidos pela Folha opinam que seria alto o risco de a China vetar o nome da chilena.
Ademais, a confirmação da candidatura de Bachelet dependeria ainda da política interna de seu país. Ela é cotada para tentar novamente a Presidência do Chile em 2025, cargo que já ocupou em duas ocasiões.
Outro nome frequentemente lembrado é o de Mia Mottley, atual primeira-ministra de Barbados e considerada por alguns a favorita. Ela esteve com Lula em duas ocasiões nos últimos dias, durante a passagem do petista por Nova York para a Assembleia-Geral da ONU.
Participou com o brasileiro de um almoço organizado pelo premiê alemão, Olaf Scholz, na segunda (23) e esteve presente no evento que o petista e o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, encabeçaram sobre defesa da democracia e combate aos extremismos.
Mottley tem boas relações com o Brasil, mas a necessidade de evitar qualquer veto no Conselho de Segurança também pode tirá-la do páreo. De acordo com pessoas que acompanham o tema, ela é vista por China e Rússia como uma candidata apoiada por EUA e Reino Unido, o que pode provocar resistência.
Na prática, as fraturas na geopolítica atual podem fazer com que o futuro secretário-geral venha de outra região do globo, ou mesmo não seja uma mulher. Isso pode ocorrer caso nenhuma candidata latino-americana consiga articular o apoio necessário entre as cinco potências, por exemplo.
Foi o que ocorreu em 2016, quando o posto caberia a um representante do Leste Europeu. Nenhum dos postulantes dessa região passou pelo crivo do Conselho de Segurança, e Guterres venceu a corrida sem nenhum veto.
Lula criticou a falta de equidade de gênero na ONU, mas mulheres são minoria nos seus ministérios: nove de 38. Além do mais, ele indicou dois homens nas vagas abertas em seu mandato para o Supremo Tribunal Federal, apesar de pedidos para não reduzir a participação feminina na corte.
Lista de secretários-gerais da ONU
- António Guterres – Portugal (2016-atual)
- Ban Ki-moon – Coreia (2007-16)
- Kofi Annan – Gana (19970-2006)
- Boutros Boutros-Ghali – Egito (1992-96)
- Javier Pérez de Cuéllar – Perú (1982-91)
- Kurt Waldheim – Áustria (1972-81)
- U Thant – Burma, atual Mianmar (1961-71)
- Dag Hammarskjöld – Suécia 1953-61
- Trygve Lie – Noruega (1946-52)