Em uma aula de bioquímica, certa vez uma professora nos perguntou qual era o sentido da vida. Alguns filosofaram, outros apenas ficaram apreensivos por uma pergunta retórica e subjetiva. Mas em riso sincero ela nos respondeu: o sentido da vida é 5′-3′! Esse é o sentido em que o RNA faz a transcrição e a vida acontece.
Enquanto o DNA guarda os segredos da vida, a fita simples de RNA cuida de todo restante para que ela se perpetue e continue em funcionamento. Algumas funções do Ácido Ribonucleico são: estruturação, catalisação e regulação.
Para dar conta de todas essas funções, as fitas de RNA apresentam uma capacidade bastante interessante: elas se dobram sobre si. Com isso, elas realizam ligações canônicas entre as suas bases nitrogenadas, formando pares de AU e CG.
Contudo, isso pode deixar de ser uma regra bem estabelecida graças a um novo estudo da Universidade de Barcelona. Entenda como as mudanças do RNA ocorridas em baixas temperaturas pode ter sido a chave para surgimento e manutenção da vida complexa.
Enquanto do DNA é conformado em uma fita dupla, o RNA é composto por uma fita simples, contendo A, G, U, C.Fonte: Getty Images
Reescrevendo a vida
Não é novidade quem fora das condições ideais impostas pelos modelos matemáticos e simulações computacionais, a vida tem que dar um jeito de funcionar. Apesar de bons preditivos, os modelos não são capazes de dar conta de todas as variáveis existentes no universo.
O comportamento molecular das nossas células em situações extremas é apenas um dos temas amplamente investigados e postos em prova constantemente. Pensando nisso, pesquisadores da Universidade de Barcelona decidiram observar as prováveis mudanças ocorridas no comportamento do RNA em baixas temperaturas.
Utilizando técnicas de espectroscopia e pinça óptica, os pesquisadores analisaram o comportamento do RNA em temperaturas entre 20 °C e -50 °C, provocando um dobramento mecânico das fitas observadas.
Como modificações no RNA poderiam impactar no desenvolvimento da vida?Fonte: Getty Images
Eles perceberam que em 20 °C, o RNA começa a ter uma redução nos graus de liberdade, quando dobrado. Isso poderia estar ligado as interações entre as ligações das riboses e da água.
Porém, as interações entre bases hidrogenadas e as ligações com a água parecem se manter estáveis até temperaturas de 5 °C. A partir desse ponto, o RNA passa a se dobrar de maneira anômala, rompendo inclusive com as ligações canônicas de AU e CG, se conformando de maneiras distintas.
A biologia celular e a bioquímica da vida prezam pela estrutura e organização dos sequenciamentos de base, pois sem esses elementos, os produtos tendem a ser disfuncionais, impossibilitando a vida.
Contudo, a nova análise possibilita uma nova maneira de encarar o comportamento do RNA e sua modelagem para continuidade da vida e funcionalidade dessa, pois esse arranjo pouco, ou nada, usuais poderiam ser uma nova forma da fita buscar manter estabilidade diante de um “clima” extremo.
Esse emaranhado “disfuncional” poderia ser pista de como a vida se organiza em baixas temperaturas.Fonte: Getty Images
Em temperaturas próximas ou iguais a -50 °C, as fitas de RNA não conseguem manter uma estabilidade e estruturas mínimas, se desdobrando e desnaturando em decorrência do frio. A nova “visão” sobre a organização e estrutura do RNA poderia dar pistas sobre como a vida reage ou se organiza em regiões temperaturas extremas.
Isso é uma prova da “Terra Bola de Neve”?
Uma das diversas formas de ver o surgimento da vida na Terra é a premissa que tudo um dia sob a superfície do planeta esteve abaixo de 0 °C. Segundo essa teoria, a viscosidade da água teria contribuído para as interações moleculares reagirem e se agruparem de maneiras mais complexas.
A nova observação dá algum crédito a teoria da Terra Bola de Neve ao apresentar as diferentes fases de ligação entre a ribose e a água no processo de organização e dobramento do RNA em baixas temperaturas.
Conforme a Terra descongelava, as moléculas foram se unindo e organizando em estruturas mais complexas, estimuladas e propiciadas pela viscosidade da água.Fonte: Getty Images
Todavia, mesmo o grupo de Barcelona ainda não compreende bem quais são as consequências para esse fenômeno e se, de fato, esse dobramento anômalo de fato poderia originar novas combinações funcionais e quais os possíveis desfechos para essa recombinação. Seriam estáveis e funcionais o suficiente para serem “passados” para frente na cadeia da vida?
Portanto, diante das novas possibilidades, a equipe continuará investigando o comportamento e consequências de suas observações.
Mas até que as novidades venham à luz dos estudos, você também pode ler sobre novos emaranhados genéticos que parecem ter um futuro igualmente promissor no desdobramento da vida. Conheça o novo capítulo no genoma humano: 50.000 emaranhados de DNA são descobertos.