‘O criminoso usa da sedução, para convencer que é bom negócio’ – EERBONUS
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‘O criminoso usa da sedução, para convencer que é bom negócio’

“Era ele”, afirmou ao delegado uma renomada empresária, que perdeu US$ 2 milhões na internet ao receber mensagens de um perfil falso do ator norte-americano Bradley Cooper. Ela enviava dinheiro ao suposto artista, com quem dizia viver um romance. 

Parece absurdo, mas esse tipo de história se tornou comum no Brasil. A “sextorsão”, o “golpe do Pix” e o “boleto falso” são alguns dos mais variados crimes cibernéticos que tiveram um salto no país: de 426 mil ocorrências, em 2018, passou para 1,8 milhão, em 2022. As informações foram confirmadas a Oeste pelo delegado Carlos Afonso Gonçalves da Silva, de 57 anos, que trabalha na polícia há 40 e hoje lidera a Divisão de Crimes Cibernéticos do Departamento Estadual de Investigações Criminais de São Paulo (Deic). A divisão, que surgiu em 2020, já recuperou R$ 66 milhões nas operações. 

Na entrevista, Afonso explica que há vários desafios enfrentados pela polícia no combate aos crimes cibernéticos, como a burocracia e as contradições do Poder Judiciário. A seguir, os principais trechos da entrevista. 

O que é um crime cibernético?

Quando há interação entre a máquina e o homem, há a possibilidade de um crime cibernético. Para o mundo de hoje, a gente convencionou o crime cibernético como todo delito que tem como local do ato as redes de computadores. Um crime que se utiliza disso pode ser considerado um crime cibernético.

Como é, para a lei, esse tipo de crime?

Tanto faz se o crime é praticado no local A, B ou C, desde que tenha seus elementos. Vamos imaginar uma pessoa que se conectou a um respirador de um outro país, por exemplo, e que conseguiu, pela rede de computadores, desligar esse respirador, causando a morte do paciente. Ali, houve um homicídio no universo cibernético, e a pessoa vai responder por isso. A definição é muito mais importante para a ciência política, para a sociologia, para a antropologia, do que para o direito propriamente dito.

Há a necessidade de novas leis?

O Código Penal é de 1940. São necessárias, isto sim, ferramentas processuais dentro do Código de Processo Penal para que a polícia possa atuar de maneira mais rápida. Uma ordem judicial rápida consigo somente em uma semana. Nesse período, o dinheiro foi para mais oito contas. Preciso de mais oito ofícios, que vão demorar mais uma semana cada um.

Como isso funciona em outros países?

Os Estados Unidos sempre foram um país de vanguarda na questão legislativa. A polícia tem acesso a todas as informações das pessoas, de maneira legal. Se você foi vítima de uma subtração de dinheiro, entre em contato com a instituição financeira e diga que está investigando. Os caras dão login e senha, e você pede para bloquear o dinheiro. Com isso, a polícia vai reunir todas as informações de investigação e levar tudo isso a um juiz, com autorização para usá-las. É muito mais rápido e racional.

O Brasil registrou, no primeiro semestre de 2022, 31,5 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos a empresas | Foto: Reprodução/Freepik

A solução é aprimorar os processos já existentes?

Exatamente. No Brasil, não há a criminalização do perjúrio, por exemplo. Quando se interroga o sujeito, e ele fala que não estava em Porto de Galinhas, você tem de provar que ele não estava lá. E, quando você prova que o sujeito não estava lá, ele mente novamente. A policia fica correndo atrás de álibis quando, no mundo todo, há o crime de perjúrio. E a pena é a mesma que a do crime sob investigação. Se você mentir na Califórnia, no Texas ou na Flórida, em um crime de homicídio, vai ser condenado à morte. Aqui, estamos tentando um acordo de não-perseguição penal em que, se a pessoa confessar o crime e indicar onde os recursos estão, pode escapar do processo criminal. É uma maneira mais salutar de resolver as questões do que ficar em uma investigação que demora quatro, cinco, oito ou dez anos. Na realidade brasileira, por uma interpretação do Poder Judiciário, um estelionatário não vai preso porque é considerado um crime sem violência. O que é um erro. Quando você subtrai R$ 150 de um aposentado que depende daquele dinheiro para comprar remédio, é muito violento.

Há delegacias especializadas em crimes cibernéticos? 

Em todos os Estados da Federação, mais o Distrito Federal, há pelo menos uma Delegacia de Crimes Cibernéticos. Em São Paulo, surgiu a primeira unidade desse tipo. Tenho aqui quatro delegacias de polícia. Somos aproximadamente 83 policiais. Temos um centro de Inteligência Cibernética e um laboratório técnico de análise, que faz a extração de dados. Hoje, a tecnologia permite tudo.

Qual a diferença entre golpe e fraude?

O golpe é uma ação que depende, exclusivamente, da participação da vítima. A fraude, não. Se alguém consegue o login e a senha do banco, a pessoa vai tirar o seu dinheiro sem a sua participação. O golpe é quando a pessoa liga para você e te aplica algo com a sua participação. Isso só ocorre porque todo mundo quer ser um vencedor, quando está no topo da pirâmide de Maslow. Você começa a ter admiração de uma sociedade. Isso dentro da sociologia. Só vai se sentir admirado quando se dá bem. Por isso, existe o golpe do “invista em criptomoeda, te ofereço uma lucratividade de 180%”. A vítima mal sabe pronunciar criptomoeda, mas investe. 

O senhor disse que há muito tempo esse tipo de crime acontece. Depois da pandemia, isso se intensificou?

Sim. Antes da pandemia, tínhamos a seguinte problemática: quais boletins de ocorrência poderíamos passar para a internet? Há cerca de 300 crimes tipificados. Com a pandemia, as pessoas não podiam mais sair, então, tivemos que colocar todos os boletins de ocorrência on-line. Mas, junto do boletim, vai a consulta médica e outros detalhes. Foram, de uma só vez, os dados de todo mundo. É fácil conseguir dados de uma pessoa. E não são sites ocultos, dark web, são sites abertos. Já viu o que tem de dado seu vazado na internet? Mesmo que você não caia, ele vai fazer esse golpe durante a manhã toda para 100 pessoas. Se somente uma pessoa cair, ele ganha uns R$ 5 mil. Se ele fosse roubar você na rua, teria de ter uma arma de fogo, um comparsa, pagar o aluguel da moto, pagar o comparsa. Esse, no caso, é um crime praticado com violência contra a pessoa. É um crime de reclusão. Se for pego, vai ser preso. Então, escolhe o cibercrime, caso contrário, pode responder por extorsão — cuja pena é alta.  O criminoso vai pela sedução, na tentativa de te convencer que está fazendo um bom negócio.

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Durante a pandemia, todos os boletins de ocorrência passaram para o online, o que facilitou o registro das queixas | Foto: Reprodução/Site da Polícia Civil do Estado de São Paulo

Como evitar o golpe virtual?

Temos os três “nãos”. O primeiro deles é não atender a um número de telefone que não está cadastrado em seu celular. O segundo é não responder mensagens de pessoas que não foram previamente cadastradas em seu celular. E o terceiro e último é nunca, jamais, clicar em um link que alguém te manda. 

Se você abrir o seu SMS, vai ver isso. Recebi aqui um aqui. “Bradesco: sua compra no valor de R$ 6,8 mil foi autorizada. Se não for você, clique aqui”. Nem sou correntista do Bradesco, mas o cara manda, e tem gente que clica direto.  

Como a polícia investiga?

A polícia faz engenharia reversa. Vejo de quem é o número, quem comprou o chip, qual o e-mail. Isso tudo é rastreado. E, por mais que o criminoso comece a se sofisticar, usando uma VPN para aplicar golpes, não há crime perfeito. Uma hora ele dá um vacilo, recebe ou faz uma ligação. Aí, o e-mail dele aparece, e vamos atrás dele.

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Houve um salto de 426 mil ocorrências desse tipo em 2018, para 1,8 milhão, em 2022 | Foto: Reprodução/X/Polícia Civil do Estado de São Paulo

Como é um mandado de busca enviado pela Delegacia de Crimes Cibernéticos?

Parece uma escritura pública. Antigamente, eu falava ao juiz que o fulano participou do golpe contra você. Agora, o juiz quer saber o que vou apreender: se é um telefone, um notebook, um tablet, um desktop, um Xbox. Já ocorreu de extrairmos os dados do telefone e encontrarmos um caso de pedofilia, com as fotos. Mas o juiz disse que as fotos foram apagadas do aparelho. Contudo, nosso equipamento extrai todos os dados que transitam naquele equipamento. O juiz sustentou que não pedimos nos autos as provas que foram apagadas. Então, são desconsideradas.  Quando se entrega a tutela da legítima defesa para o Estado, precisa de uma polícia bem preparada, crível, de um ministério bem preparado e crível, de um Poder Judiciário bem preparado e crível.

Como se configura uma organização criminosa, nesse caso?

Não é difícil configurar uma organização criminosa. O difícil é quem vai definir. Quando o caso vai para uma vara X, o juiz vai entender que o “conteiro” integra a organização criminosa. E, se cair na vara Y, o juiz pode entender que não integra a uma organização criminosa. O “conteiro” é a pessoa que aluga/empresta a conta. O cara que vai tirar R$ 5 mil da sua conta, para dificultar a investigação, vai pulverizar em cinco contas de R$ 1 mil. E, depois, mais dez contas — e assim vai. Consigo pegar todos. Mas o juiz pode entender que a participação de uma pessoa que só empresta a conta não configura que ela integra uma organização criminosa.

Quais as consequências?

A responsabilização criminal sempre vai acontecer. O que pode não acontecer é a prisão. Se chego na casa do criminoso e vejo uma moto, um carro e uma televisão, e sei que ele te roubou, vou apreender tudo isso e vincular no inquérito, para leiloar ou entregar à vítima. Uma pessoa vinculada a um crime cibernético não pode ter mais de uma conta bancária, ter limite de cheque especial, movimentar a conta sem comprovar renda. 

Qual a linha tênue disso para uma regulação da internet?

Não existe quebra de sigilo. O juiz que fez isso somente determinou o compartilhamento de sigilo da instituição financeira com o policial. O sigilo é compartilhado, mas não cai na mão do jornalista. E precisa ser assim, pois a intimidade e a privacidade são direitos fundamentais. Esses conceitos básicos do Direito foram perdidos por quem deveria aplicar a lei. A liberdade de manifestação é sempre do pensamento, porque não consigo manifestar a opinião da pessoa sem elaboração. Ela é garantida constitucionalmente. Se eu ofender uma pessoa, manifestando meu pensamento, vou pagar uma multa para ela. Mas transformar a liberdade de opinião em liberdade de expressão, não saber que o pensamento é uma opinião trabalhada, e entender que determinada instituição pública está agindo contra a lei e criminalizar isso, é usar a força contra a lógica.

Quais os golpes mais comuns? 

Dentre os golpes, os mais comuns são os patrimoniais puros. O falso escritório de advocacia, porque todo mundo está processando alguém. Então, o golpista entra no e-Saj, vê que você está processando uma pessoa e te liga, dizendo que você ganhou o processo, falando um valor alto. O sujeito manda uma guia de recolhimento que não é um QR Code de um cofre público, mas sim uma conta bancária qualquer. Golpe de sextorsão, em que o homem quer uma relação sexual em quatro horas, e a mulher, um amor eterno. O ator Bradley Cooper tem seis noivas aqui no Brasil, assim como os atores George Clooney e o Johnny Depp. A mulher conversa com o sujeito e vive a fantasia. Uma grande empresária aqui de São Paulo enviou US$ 2 milhões para o falso Bradley Cooper. 

O que fazer ao cair em um golpe cibernético?

Primeiro, recomendamos que as pessoas se utilizem do boletim eletrônico, porque ela não precisa sair de casa. O segundo passo é entrar em contato com a instituição financeira. Porque o banco avisa quando não envia e-mail, SMS, link etc.Mesmo que você diga que, na mensagem do golpista, viu a foto do banco, não vão te indenizar, porque está no contrato que não enviam SMS, por exemplo. Siga as recomendações do seu banco.

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