A quinta-feira (6) desta semana é um dia decisivo para o VAR, o famigerado árbitro assistente de vídeo, na Inglaterra.
Em seu encontro anual, os clubes da Premier League (primeira divisão) votarão pela continuidade ou não da figura que veio para corrigir falhas grotescas do árbitro de campo mas que, desde sua implantação no futebol, em 2016, causa polêmica após polêmica.
Por quê? Já escrevi antes e repito: porque seu objetivo, intervir para evitar a ocorrência de erros claros e óbvios, de erros crassos, há muito foi distorcido.
Um exemplo: o que deveria ser um artifício para impedir que um impedimento claríssimo não marcado pelo bandeirinha (esse, aliás, virou figura decorativa) beneficiasse um dos times tornou-se um desafio de milímetros.
Enfurnado em uma cabine (no estádio ou fora dele), o VAR, com auxílio de sua equipe técnica, começa a traçar linhas ininteligíveis para determinar se o atacante estava ou não em posição legal. Quando termina, ninguém tem certeza de que acertou.
Outro exemplo: na possível infração dentro da área, de um defensor em um atacante, que pode resultar na marcação de um pênalti, o VAR só deveria se pronunciar caso tivesse sido um golpe de judô, um “ippon” que o árbitro de campo ignorasse.
Mas não: qualquer encontrão, qualquer disputa mais ríspida, qualquer corpo a corpo na área, se o atacante cai, o VAR para a partida e convida o colega apitador a ir ao monitor rever a jogada. Quase sempre sem aparentar convicção ao se defrontar com um lance interpretativo, dá o pênalti –talvez para não desmoralizar o auxiliar de vídeo.
Isso sem contar a infindável demora, de dois, três, quatro minutos (ou mais), para que o veredicto de algo duvidoso seja proferido. É de dar raiva e/ou sono. Quando acontece, fico com saudade dos tempos pré-VAR e falo para mim mesmo: “Estragaram o futebol”.
Na Inglaterra, partiu do Wolverhampton –equipe mais prejudicada por decisões do VAR que se mostraram equivocadas desde que a Premier League passou a usá-lo, em 2019– a proposta de dar o cartão vermelho à videoarbitragem.
O clube apresentou nove argumentos (na linha “por que o VAR está sendo nocivo ao futebol”) para apreciação dos seus pares:
- A longa espera, por vezes de vários minutos, para que o veredicto de determinada jogada seja dado.
- Frustração e confusão dentro dos estádios devido às demoradas verificações do VAR e à má comunicação com os torcedores.
- Uma atmosfera mais hostil nos estádios, com protestos, vaias ao hino da Premier League e gritos contra o VAR.
- Desrespeito ao propósito original do VAR, de corrigir erros claros e óbvios, analisando excessivamente decisões subjetivas e comprometendo a fluidez e a integridade do jogo.
- Diminuição da responsabilidade dos árbitros e bandeirinhas, devido à segurança que o VAR lhes dá, levando à deterioração da autoridade deles em campo.
- Erros contínuos apesar do VAR, com os torcedores incapazes de aceitar erros humanos após múltiplas visualizações e replays, prejudicando a confiança nos padrões de arbitragem.
- Interrupção do ritmo acelerado da Premier League, com verificações demoradas do VAR e mais tempo de acréscimo, fazendo com que os jogos sejam excessivamente longos.
- Discussões constantes sobre as decisões do VAR, muitas vezes ofuscando a partida em si e manchando a reputação da liga.
- Destruição da confiança e da reputação, com o VAR alimentando alegações de corrupção completamente absurdas.
Concordo com a argumentação dos Wolves, sem contar que o sistema que faz o VAR funcionar(?) é caro, exigindo gastos com equipamentos eletrônicos, infraestrutura adequada e pessoal (árbitros e técnicos operacionais).
A riquíssima Premier League, que defende a continuidade do VAR, pode bancar? Sem dúvida.
Mas poderia direcionar essa verba para outros fins, como fomentar o futebol feminino e das ligas inferiores, e/ou ampliar o repasse aos clubes, que poderiam melhorar os estádios, reduzir o preço dos ingressos, investir nas categorias de base, contratar mais pé de obra qualificado.
Haverá votação, e para que o VAR seja desligado da Premier League é necessário que 14 dos 20 times se posicionem favoravelmente.
É improvável acontecer. Pois a Inglaterra se veria “na contramão do que o mundo vem usando”, adotaria “uma posição retrógrada”, viraria “uma inimiga da tecnologia”, algo considerado inaceitável pelos idiotas da objetividade, como escrevia Nelson Rodrigues.
Mas eu, que prefiro os erros do árbitro e dos bandeirinhas, no calor do jogo, do que os do VAR e de seus asseclas, na cabine com ar condicionado, fico na torcida para que o campeonato mais legal da atualidade volte a vivenciar o futebol raiz, e não mais o chato fu’tec’bol.
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