O ex-presidente da Costa Rica Óscar Arias, ganhador do Nobel da Paz por seu papel nas negociações de paz na América Central nos anos 1980, afirma que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está equivocado em relação à crise na Venezuela. Para ele, é perda de tempo esperar que o ditador Nicolás Maduro apresente as atas eleitorais.
“Eu esperava que um democrata como Lula, que perdeu eleições e reconheceu suas derrotas, tivesse ligado e dito: ‘Maduro, você perdeu, reconheça a derrota e saia do poder'”, afirma Arias à Folha.
Ele discorda da declaração de Lula de que a oposição, ao contestar a vitória de Maduro anunciada pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral), deveria simplesmente entrar na Justiça. “Que Justiça na Venezuela? O Poder Judiciário na Venezuela não é autônomo, independente”, argumenta.
Arias foi um dos 30 ex-presidentes signatários de carta aberta instando Lula a se posicionar de forma mais assertiva sobre as acusações de fraude na Venezuela.
A oposição acusou fraude na eleição presidencial de 28 de julho na Venezuela e divulgou atas que comprovariam a vitória do candidato Edmundo González. Maduro afirma que ganhou, mas não mostra as atas. O sr. vê saída para o impasse na Venezuela?
Começo dizendo que não há nenhuma dúvida de que Maduro perdeu as eleições, isso é indiscutível. Para todo ditador, ainda mais quando se trata de um narcogoverno, é muito difícil reconhecer a derrota, porque ele sabe o que o espera. Não podemos nos esquecer de que, em 1989, o governo americano enviou seus aviões para a Cidade do Panamá para prender o general Manuel Noriega, por estar envolvido no narcotráfico.
Maduro também sabe que o ex-presidente de Honduras Juan Orlando Hernández está preso nos Estados Unidos, acusado de tráfico de drogas. Maduro, Diosdado Cabello [número 2 do chavismo], Vladimir Padrino [ministro da Defesa], todos eles sabem muito bem disso. Um ditador não sabe se desapegar da cadeira presidencial, e um ditador ligado ao narcotráfico sabe menos ainda.
Foram descumpridos todos os prazos da lei venezuelana para se divulgarem as atas eleitorais. Portanto, não é suficiente os presidentes Lula, López Obrador [do México] e Gustavo Petro [da Colômbia] pedirem a Maduro que entregue as atas.
É muito difícil responder à sua pergunta, sobre qual seria uma saída para a situação. Mas eu me lembro da minha experiência em 1990, nas eleições na Nicarágua. Em 1987, eu e quatro presidentes centro-americanos assinamos um acordo de paz que previa eleições. Na época, Fidel Castro disse a Daniel Ortega que não caísse na armadilha de Óscar Arias, “os revolucionários não realizam eleições, não se rifa o poder”.
Ortega tinha um dilema: precisava escolher entre assinar o acordo de paz e aceitar as eleições ou continuar a guerra, porque [o então presidente dos EUA] Ronald Reagan queria uma desculpa para continuar financiando os “contras” [grupos armados que tentavam derrubar o governo nicaraguense]. Ele assinou.
As eleições foram realizadas, e todo mundo achava que Ortega venceria facilmente. Mas o sandinismo perdeu para Violeta Chamorro, e não sabíamos se eles iam entregar o poder.
O ex-presidente Jimmy Carter e eu passamos a noite da eleição falando com várias pessoas do governo, com alguns dos comandantes militares mais duros, para dizer que o mundo inteiro estava olhando e eles tinham de fazer uma transição política.
Era isso que eu esperava que os líderes democráticos do mundo tivessem feito com Maduro. Porque é óbvio que ele perdeu a eleição.
O assessor internacional de Lula, Celso Amorim, disse não ter confiança nas atas da oposição. O que acha?
Ele está errado. Houve fiscais da oposição nas mesas que entregaram as informações apresentadas por María Corina Machado.
Quando o presidente do CNE, Elvis Amoroso, anunciou a vitória de Maduro, sabíamos que estava mentindo. Ele arrumou esses números como um mágico que tira um coelho da cartola. Por isso é inútil que López Obrador, Petro e Lula continuem insistindo para que Maduro entregue as atas.
Eu esperava que um democrata como Lula, que perdeu eleições e reconheceu suas derrotas, tivesse ligado [para Maduro] e dito: “Maduro, você perdeu, reconheça a derrota e saia do poder”. Isso foi exatamente o que aconteceu nas eleições na Nicarágua em 1990.
Estamos perdendo tempo pedindo “por favor, entregue as atas”. Não vão entregar as atas porque não conseguem refazê-las, porque há um resultado eletrônico, com QR code. E não há dúvidas de que Maduro perdeu.
Qual deveria ser o papel de Lula?
Se eu fosse presidente da Costa Rica hoje, diria a Maduro: “Você perdeu as eleições e precisa reconhecer a derrota”. Isso é o que a comunidade internacional deve dizer a Maduro.
Maduro mentiu para o mundo inteiro dizendo que venceu as eleições. Desde o dia 28 de julho até hoje [sexta-feira, 9], foram presas mais de 1.500 pessoas, e 25 morreram. A repressão aumenta a cada dia.
Lula afirmou que não houve nada de anormal na eleição e sugeriu aos que a contestam entrar na Justiça.
Com todo o respeito que tenho por Lula, ele está equivocado. Governamos no mesmo período, meu segundo mandato foi de 2006 a 2010, estive em Brasília em visita oficial e ele esteve na Costa Rica. Mas ele está equivocado. Que Justiça na Venezuela? O Poder Judiciário na Venezuela não é autônomo, independente. Como em toda ditadura, o sistema judicial obedece ao presidente.
A diplomacia brasileira tem uma tradição de não interferência nos assuntos internos de outros países. Eles dizem que atuam nos bastidores e tentam não interromper o canal de comunicação que mantêm com Maduro.
Não me atrevo a dizer o que deveriam fazer o Itamaraty e o governo brasileiro. Só volto a relatar o que aconteceu no Panamá, como terminou Noriega, e o que houve com o presidente Hernández de Honduras recentemente.
É realista pensar que Maduro admitiria a derrota em troca de anistia? A líder opositora María Corina Machado afirmou que daria “garantias, salvo-condutos e incentivos” se ele concordasse com uma transição pacífica, mas o aceno já foi rejeitado pelo ditador.
Difícil falar em garantias. O Departamento de Estado dos EUA pode dizer que não irá atrás de Maduro por sua ligação com o tráfico, por exemplo, mas há outras partes do governo americano, como o Departamento de Justiça ou o Congresso, que podem ter outra opinião.
Parte da esquerda afirma que as críticas a Maduro vêm de políticos de direita e que os EUA o perseguem.
Isso é um disparate. Como [o regime de Maduro] pode se chamar de socialista, ou de esquerda, ou antifascista ou anti-imperialista contra os EUA?
Não importa como se chamam, a realidade é que estão fazendo muito mal ao povo da Venezuela. Mais de 7 milhões de venezuelanos emigraram. Após esta eleição, vai aumentar ainda mais a migração.
A Venezuela é um Estado falido. É impossível recuperar a economia com Maduro no poder. Com essa eleição roubada, esse autogolpe, as coisas vão piorar ainda mais na Venezuela, e isso deveria preocupar todos os democratas do mundo. É muito triste que líderes democratas fiquem quietos, não digam nada sobre essa fraude na eleição.
RAIO-X | Óscar Arias, 83
Formou-se em direito e economia na Universidade da Costa Rica e fez doutorado em ciência política na Universidade de Essex, no Reino Unido. Foi ministro, deputado e teve dois mandatos como presidente da Costa Rica (1986-1990 e 2006-2010) pelo Partido de Libertação Nacional (PLN), de centro a centro-esquerda. Recebeu o prêmio Nobel da Paz em 1987, por seu papel nas negociações de paz na América Central.