A morte de Hassan Nasrallah é um momento sísmico para o Oriente Médio, aumentando o perigo de um conflito entre Israel e Irã, o que seria devastador para os civis e teria efeitos colaterais muito além da região.
Durante décadas, o secretário-geral do Hezbollah permaneceu oculto do olhar público, mas estava presente em todas as discussões. Como embaixador em Beirute, lembro-me de muitas noites reunido ao redor do rádio, esperando para ouvir se seu último discurso —em resposta a um assassinato ou ataque militar— aumentaria ou diminuiria o perigo. Muitas vezes, era o último caso, mas sempre com a ameaça de violência por vir. O homem mais poderoso do país adorava este teatro e a capacidade de manter todos em dúvida.
Nasrallah era um gênio maligno. Ele construiu uma máquina de combate formidável, apoiada por suas sofisticadas habilidades de comunicação pública e pelo soft power —escolas, hospitais, assistência social, infraestrutura—, o que significava que seu controle do sul do Líbano não se baseava apenas no medo. Ele também conseguiu garantir, por meio de assassinatos, força nas ruas e uma habilidade astuta de dividir e governar, de modo que nenhum governo libanês poderia sobreviver sem sua aquiescência, e que a maioria mal poderia funcionar mesmo com ela.
A região agora se prepara para as próximas decisões tomadas pelos linhas-duras no Irã e em Israel. Muitos estão lutando por sua própria sobrevivência, não pelos interesses das pessoas que afirmam representar.
Em Nova York na semana passada, o Irã ressaltou aos diplomatas ocidentais que não queria escalar, deixando o Hezbollah furioso com o sentimento de abandono. O maior medo estratégico do Irã, de uma normalização mais ampla entre Israel e o Golfo, foi por enquanto enterrado no conflito catastrófico após o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro do ano passado. Alguns em Teerã acham que não devem interferir no erro de seu inimigo, argumentando que o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu isolou seu país por uma década, tornando inevitável o resultado contra o qual lutou durante toda sua carreira turbulenta: um Estado palestino.
Enquanto isso, as decisões israelenses continuarão a ser impulsionadas pela política interna, não pela pressão internacional. Netanyahu procurou desviar a atenção das críticas domésticas e internacionais à condução da guerra em Gaza. Israel atingiu o Hezbollah muito duramente, física e psicologicamente. Alguns em Tel Aviv argumentam que uma invasão terrestre —o que os linhas-duras chamam de “cortar a grama”— poderia degradar ou destruir ainda mais o Hezbollah. Vozes mais calmas reconhecem, no entanto, o imenso dano que mais baixas civis em massa fariam à reputação de Israel. Uma invasão terrestre permitiria ao Hezbollah reconstruir a popularidade e a confiança que se esgotaram devido às suas ações contra críticos no Líbano e ao apoiar o ditador sírio Bashar al-Assad.
Para os libaneses, haverá emoções mistas. Alguns setores da sociedade celebrarão a remoção de um homem que por anos manteve um controle brutal sobre o país. Mas também há horror generalizado pela perda de vidas civis e apreensão sobre se o Hezbollah, que não permanecerá sem líder por muito tempo, agora não tem escolha a não ser liberar o que resta de seu arsenal contra Israel, trazendo um novo ciclo sangrento de retaliação.
Diplomatas falaram por meses sobre o perigo de guerra entre Israel e Hezbollah. Agora passamos desse ponto. Havia uma confiança genuína em Nova York nesta semana, após o rápido apelo do Reino Unido por um cessar-fogo e a declaração de líderes dos Estados Unidos, europeus e árabes pressionando por uma cessação dos ataques por 21 dias. Mas a esperança se esvaiu quando Netanyahu levantou um punho público para o mundo do púlpito da ONU e depois aumentou dramaticamente as apostas. O clima agora é de desânimo.
No entanto, aqueles que trabalham mais arduamente para tirar a região da beira do abismo sabem o que é necessário. Primeiro, a implementação das resoluções da ONU e pressão consistente para parar a escalada. Depois, colocar o Exército libanês ao lado da ONU na fronteira entre Israel e Líbano e restaurar a autoridade do Estado libanês —não do Irã ou do Hezbollah— ao sul do país. Um acordo de cessar-fogo em Gaza que libere os reféns israelenses e permita a entrada de ajuda continua sendo crucial: isso poderia criar as condições para a solução de dois Estados que Hamas, Hezbollah e falcões israelenses querem enterrar. Segurança, justiça e oportunidade só podem ser alcançadas por meio da coexistência, não pelo ciclo de medo e destruição do qual Nasrallah fazia parte.
Acima de tudo, apesar do crescente sentimento de impotência e desespero, a comunidade internacional deve agora —inequivocamente e consistentemente— colocar a proteção dos civis contra a morte ou deslocamento no centro de sua estratégia. Os números de vítimas são impressionantes. As organizações humanitárias já estão subfinanciadas, sobrecarregadas e sob ataque.
Nasrallah viveu no fio da navalha. Hoje ouvi muitos amigos em toda a região que perderam parentes, amigos ou líderes políticos como resultado de suas decisões. As emoções daqueles que lamentam ou celebram estão à flor da pele. O medo do que está por vir é real. Na morte, assim como na vida, Nasrallah mantém seus inimigos e aliados em dúvida.
Tom Fletcher é ex-embaixador do Reino Unido no Líbano e conselheiro de política externa de três primeiros-ministros. Seu romance mais recente é “The Assassin”.