Depois de adiar, na última semana, sua ida a Nova York, o presidente eleito da Argentina, Javier Milei, fará a viagem nos próximos dias, segundo informou a Oeste a assessoria dele. O adiamento ocorreu em função de pendências na formação do novo ministério.
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“A viagem ocorrerá nesses dias.”
Assim que chegar à cidade americana, Milei vai visitar o túmulo do “rebe” Lubavitch, o proeminente rabino Menachem Mendel Schneerson (1902-1994), referência para os judeus do mundo inteiro.
Essa iniciativa mostra a proximidade que o ultraliberal, da coalizão La Libertad Avanza, mantém com a comunidade judaica argentina. Isto em um contexto no qual o antissemitismo tem registrado uma alta no mundo inteiro.
A ida de Milei aos Estados Unidos também é uma forma de ele fortalecer apoios em contrapartida ao anunciado, quando candidato, como congelamento na relação com países ligados a ideologias distintas.
“A viagem de Milei reafirma o realinhamento externo que antecipou na campanha eleitoral e que tem como contrapartida a ideia de congelar as relações com a China e a Rússia”, afirma Damian Nabot, editor de política do La Nación, um dos maiores jornais argentino.
Com base nessa decisão, está a forte ligação de Milei com a religião judaica.
Nabot considera que, apesar de haver incerteza, depois que ele assumir o cargo, este vínculo tende a ser a base do apoio dele a Israel.
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“Milei teve desde o início um alinhamento enfático com Israel e contra o Irã e o terrorismo.”
A relação de Milei com a comunidade judaica se iniciou há muitos anos, quando ele começou a estudar com mais profundidade a religião.
“O próprio Milei, por meio do estudo da Torá (livro sagrado), tornou-se espiritualmente inclinado ao judaísmo”, diz o editor, que fala a respeito da viagem anunciada anteriormente.
“Ele anunciou que uma de suas primeiras viagens será uma visita a El Ohel, o local sagrado onde repousam os restos mortais do ‘rebe’ Lubavitch”, conta, sobre a viagem adiada, que ocorreria na última sexta-feira 24, mas que a assessoria de Milei confirmou que será realizada em breve.
Em busca de compreensão
Milei venceu as eleições com 55,69% dos votos, contra 44,30% do peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia. Com cerca de 14,5 milhões de votos, tornou-se o vencedor mais votado da história do país.
Durante a campanha, ele lembrou de uma citação do livro dos Macabeus, relativa à revolta de um movimento de libertação judaica contra o exército de invasores gregos no ano 166 a.C. E com ela, conquistou muitos eleitores.
“O triunfo na guerra não vem do número de soldados, mas das forças que vêm do céu.”
Nabot explica que, neste caso, Milei, tido como um homem solitário em busca da compreensão, de si e dos outros, encontrou nas tradições bíblicas um acolhimento para seus dilemas humanos. E fez de um rabino o seu principal mentor.
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“Embora sua origem seja católica, Javier Milei conversa quinzenalmente com um rabino ortodoxo”, diz o jornalista do La Nación, sobre Axel Wahnish, rabino-chefe da Acilba (comunidade judaica marroquina argentina).
Na noite do último sábado 25, ele participou da cerimônia judaica da Havdalá, que marca o fim do Shabat, dia sagrado dedicado ao descanso, e dá início à nova semana. A reza foi conduzida pelo líder religioso David Pinto Shlita.
Não surpreendem, portanto, todas as declarações proferidas pelo político conhecido como libertário em favor de demandas de Israel.
“Diante do conflito no Oriente Médio, Milei teve uma postura forte desde o início: anunciou que queria transferir a embaixada argentina para Jerusalém”, lembra Nabot.
A posição do então candidato também foi implacável em relação ao Estado judaico, depois dos ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro.
“Ele defende incluir o Hamas e o Hezbollah na lista de grupos terroristas e deu forte apoio a Israel após o ataque terrorista.”
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Nabot afirma que, depois do início da guerra entre Israel e Hamas, foram reavivadas expressões antissemitas, ainda que em setores minoritários da sociedade.
Em meados de novembro, Jorge Knoblovits, chefe da Delegação das Associações Israelitas Argentinas, disse que foram detectados casos de ”estudantes judeus e não judeus que denunciam que nas universidades argentinas estão sendo rasgados cartazes que pedem a libertação dos reféns e reivindicam a responsabilidade.”
Na Argentina, qualquer indício de antissemitismo é visto com ainda mais cuidado. O país foi alvo de dois grandes atentados terroristas.
O primeiro, em março de 1992, na Embaixada de Israel na Argentina, quando 22 pessoas morreram. O segundo, em julho de 1994, no centro judaico Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) de Buenos Aires, em 1994, que deixou 85 mortos.
Segundo a Justiça da Argentina, está provado que os atentados foram organizados por terroristas ligados ao Hezbollah, que contariam com o apoio logístico de grupos antissemitas do país.
As tragédias motivaram a comunidade judaica a ficar ainda mais ativa, segundo o jornalista, na busca do combate ao discurso de ódio no país.
“O pano de fundo dos ataques à Amia e à Embaixada de Israel aumentou a consciência, o destaque e a valorização dos líderes comunitários e das suas associações, que permanecem ativos e alertas diante de cada conflito”, observa Nabot.
A ascensão de Milei deve chegar para modificar um cenário que vinha sendo conflituoso e tenso no atual governo de Alberto Fernández. O chamado kirchnerismo (corrente da ex-presidente Cristina Kirchner, atual vice) insiste em justificar o Pacto com o Irã. Este foi assinado por Cristina Kirchner, em 2013.
Retirava dos alertas de captura os iranianos acusados do ataque ao prédio da Amia, dentro de uma formação de uma “comissão da verdade” internacional para investigar o caso.
O memorando, lembra Nabot, foi repudiado internamente e no estrangeiro e foi o prólogo da morte do procurador Alberto Nisman, que tinha denunciado Cristina Kirchner por encobrimento.
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“Alberto Fernández moderou a posição do kirchnerismo mais radical, mas não se distanciou completamente dos regimes da Venezuela e da Rússia, que mantêm relações com o Irã”, acrescenta Nabot.
Milei, no entanto, deixa uma nova impressão para a comunidade. Pelo menos é o que vem demonstrando até aqui, segundo o jornalista.
E a próxima viagem, completa Nabot, será mais um indício dessa nova política em relação à comunidade judaica. Vinda dos conceitos do cidadão, e não do presidente, Milei.
“A visita ao túmulo do rebe Lubavitch ratifica a ancestralidade espiritual que o hassidismo [corrente forte do judaísmo] tem no imaginário de Milei.”