As emissoras locais dos Estados Unidos preferem discutir a questão racial conforme a ideologia declarada pelo seu público, sugere análise realizada por pesquisadores de universidades americanas e chinesas.
Segundo o estudo, que coletou menções a termos relacionados ao debate sobre raça em empresas de televisão regionais afiliadas a veículos da grande mídia do país entre 2020 e 2023, o formato do debate sobre o tema ainda é influenciado por aspectos geográficos e político-eleitorais.
Os dados obtidos foram correlacionados a variáveis como o candidato presidencial vitorioso nas eleições de 2016 no local de cobertura dos veículos analisados. Um dos achados do estudo foi que, quanto maior a quantidade de votos no ex-presidente Donald Trump em um determinado local, menor o número de menções ao racismo como agente propagador de desigualdades e problemas sociais pelas emissoras que atuavam ali.
Em vez disso, esses veículos usavam especificamente o termo “teoria crítica da raça”. Cunhado na década de 1980, ele descreve a ideia de que o racismo é estrutural, ou seja, atravessa a sociedade de forma sistêmica.
Nos últimos anos, porém, e à medida que a polarização entre a direita e a esquerda desaguou nas chamadas “guerras culturais”, conservadores se apropriaram da expressão e passaram a utilizá-la de forma pejorativa, creditando ao fenômeno uma disrupção do tecido social que teria colocado pessoas racializadas, como negros, latinos e indígenas, contra brancos.
Isso significa que, apesar do aumento geral da discussão racial nos veículos de mídia americanos, especialmente após a morte de George Floyd, em maio de 2020, houve uma dissonância sobre como abordar o tema entre locais de maioria republicana (conservadora) e democrata (liberal).
Pós-doutoranda na Universidade Wesleyan, em Connecticut, nos EUA, a cientista política Natália de Paula Moreira diz que o caso George Floyd foi um momento-chave para a discussão sobre o racismo pelos veículos de comunicação americanos. As imagens da morte de um homem negro sufocado por um policial branco no interior dos EUA chocaram o mundo, e o pedido de socorro de Floyd, “não consigo respirar”, virou lema de manifestações em massa contra o racismo no país.
Mas “o contra-argumento da teoria crítica da raça foi usado pelos conservadores para minimizar a relevância da questão racial ou discutir outras questões afora a disparidade racial”, prossegue Moreira, que conduziu o levantamento junto a quatro pesquisadores de universidades como a de Minnesota, também nos EUA, e a Duke Kunshan, em Jiangsu, na China. Nesse sentido, tanto a mídia quanto o público da direita teriam discutido o assunto a partir do entendimento de que ele cria antagonismos.
Para Moreira, a pesquisa é inovadora ao trazer dados com maior recorte temporal, o que colabora a entender tendências gerais da discussão sobre a questão racial nos veículos americanos locais. Além disso, seus resultados são importantes para compreender como a mídia pode moldar o debate público sobre um determinado tema.
Ela conta que continua a pesquisar o assunto para outros artigos, mas voltando-se para a influência da mídia sobre o comportamento de instituições, tanto a nível local quanto estadual.
A pesquisadora afirma ainda que a questão racial continuará sendo extremamente importante na discussão pública e também no aspecto político-eleitoral, sendo usada pelos partidos para levantar bandeiras e influenciar o eleitor inclusive na disputa presidencial deste ano.
Os votos dos eleitorado negro americano são essenciais tanto para o incumbente Joe Biden quanto para o seu possível rival, Donald Trump, na corrida pela Casa Branca. Mas, fundamental para a vitória do democrata no pleito passado, essa fatia da população hoje está bem menos entusiasmada com a sua candidatura.
A cerca de um ano das eleições, sondagens alertam para um comparecimento menor às urnas e até para um encolhimento da vantagem do atual presidente sobre Trump. As pessoas negras apoiam historicamente o Partido Democrata, e a falta desses votos pode fazer a diferença em uma disputa apertada.
Os resultados da pesquisa serão apresentados em palestra no IPSA, curso de verão promovido pelo Departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo), nesta quarta-feira (17), às 16h. Ao contrário das aulas regulares, promovidas apenas a inscritos, as apresentações são públicas e transmitidas ao vivo.
Em sua 14ª edição, o IPSA busca trabalhar com os métodos de pesquisa quantitativa e qualitativa na ciência política, trazendo não somente aulas sobre os formatos de análise, mas contato entre os participantes e acadêmicos que dirigem estudos com modelos de dados robustos.