Uma arquiteta premiada de Bangladesh, um dos países com maior risco de enchentes causadas pelas mudanças climáticas, desenvolveu uma solução engenhosa de habitação de dois andares para ajudar as pessoas a sobreviverem às inundações.
Este ano, quando as enchentes transbordaram o rio Brahmaputra, o agricultor Abu Sayeed, 40, não precisou abandonar sua casa pela primeira vez em sua vida. Ele apenas subiu uma escada e esperou as águas baixarem.
As Khudi Bari, ou “casas pequenas”, foram desenvolvidas pela arquiteta de Bangladesh Marina Tabassum. As moradias são construídas sobre pilares de bambu e elevadas acima do nível das inundações.
Com dois andares, cada um com 9,3 metros quadrados, e quatro metros de altura no total, elas podem ser facilmente transferidas para lugares mais seguros quando necessário. Além disso, a maioria dos proprietários de Khudi Bari utiliza seus próprios painéis solares. Construir uma dessas casas custa cerca de US$ 450 (R$ 2.180).
“O Khudi Bari nos salvou”, disse Sayeed à agência de notícias AFP. Assim como milhões de pessoas, ele vive nas vastas planícies aluviais de Bangladesh, cujo solo fértil é ideal para o cultivo de milho e pimenta. “Nós não saímos. Dormimos no andar de cima. Espero que nunca mais tenhamos que fugir de nossas casas”.
Bangladesh é o sétimo país mais vulnerável a fenômenos climáticos causados pelo aquecimento global e pelo aumento do nível do mar, de acordo com a organização ambiental Germanwatch. Grande parte do país é formada por deltas, já que os rios Himalaia Ganges e Brahmaputra serpenteiam essa nação de baixa altitude.
Com milhões de pessoas em risco, realocar os moradores para terrenos mais elevados é uma tarefa quase impossível.
“Fugir de casa durante as inundações faz parte da nossa vida”, diz Sayeed, morador da aldeia de Shildaha, no norte do país, onde Marina Tabassum construiu 17 protótipos dessas construções. “Muitas vezes, quando a inundação diminui, você volta e descobre que todos os seus pertences foram roubados.”
“Mesmo que a água suba até o peito, podemos ficar nesta casa. Vamos para o andar de cima e cozinhamos com gás ou lenha”, diz Mohammad Kalu, 35. Segundo ele, quando há correntezas fortes, eles soltam as paredes de lata e a água passa “sem nenhum obstáculo”.
Cientistas alertam há décadas para o crescente impacto das mudanças climáticas, que se refletem no aumento da intensidade das chuvas de monção e no derretimento do gelo do Himalaia, que está ocorrendo mais rápido do que nunca.
Dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência da ONU para questões do clima, indicam que eventos climáticos extremos como secas, enchentes, deslizamentos de terra, tempestades e incêndios mais do que triplicaram ao longo dos últimos 50 anos em consequência do aquecimento global.
Outro órgão ligado à ONU, o IPCC (Painel Intergovernamental para a Mudança Climática), já afirmou em relatório que hoje é inequívoco que parte dessas mudanças foi causada pela ação humana.
Em 2022, o país registrou algumas das piores inundações de sua história —no ano passado, enchentes no nordeste da nação deixaram milhões de pessoas presas e quase cem mortos.
Como resposta, o governo construiu milhares de abrigos resistentes a ciclones para resistir às fortes tempestades. Mas embora eles reduzam as mortes, são adequados apenas durante o temporal, e as inundações podem durar meses.
Foi por isso que Marina Tabassum projetou uma casa com o “menor custo possível”, com materiais locais e combinando postes de bambu e chapas de metal.
A arquiteta premiada, vencedora da medalha britânica Soane de arquitetura em 2021 por seu trabalho com as “casas pequenas”, também desenvolveu protótipos de abrigos para testá-los contra inundações repentinas e ventos de tempestade e usou o modelo das Khudi Bari para construir um centro comunitário dedicado a mulheres refugiadas rohingyas, uma minoria perseguida em Mianmar.