Centenas de manifestantes tomaram nesta terça-feira (10) as tribunas do plenário do Senado do México e obrigaram os parlamentares a suspender a sessão que discutia a controversa reforma judicial proposta pelo presidente Andrés Manuel López Obrador —titular do cargo até o dia 1º de outubro, quando assume sua sucessora e colega de partido, Claudia Sheinbaum.
O texto propõe, entre outras medidas, que membros do Poder Judiciário sejam eleitos por voto popular a partir de listas de candidatos elaboradas pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Críticos afirmam que esse mecanismo irá minar a independência judicial. Ela já foi aprovada em primeira votação na Câmara.
Depois de permanecerem várias horas nos arredores do prédio legislativo em protesto contra o projeto, os manifestantes atravessaram repentinamente as barreiras de segurança e irromperam na sala onde o plenário deliberava sobre o assunto. Em meio aos gritos dos participantes do ato, o presidente do Senado, Gerardo Fernández Noroña, suspendeu a sessão indefinidamente.
No local havia pouca presença policial. Os manifestantes entraram sem maiores obstáculos e permaneceram no prédio. Entre eles estavam funcionários judiciais em greve e estudantes universitários, que entoavam cantos como “senhor senador, detenha o ditador” ou “o Poder Judiciário não vai cair”, agitando bandeiras do México.
Noroña, então, afirmou em seguida que retomaria a sessão na antiga sede do Senado, às 19h (22h no horário de Brasília).
“Dei instruções para que os serviços parlamentares convoque a retomada da seção às 19h na antiga sede do Senado, conhecida como a Casa de Xicoténcatl. Haverá reforma do Poder Judiciário”, afirmou o presidente do Senado.
AMLO, como é conhecido o presidente mexicano, cuja popularidade gira em torno de 70%, promove a reforma acusando juízes e ministros de favorecerem grupos criminosos e facilitarem esquemas de corrupção. A proposta é hoje uma das principais bandeiras do presidente, que pretende aprovar a reforma judicial como último ato de seu governo.
O principal alvo de suas críticas é a SCJN (Suprema Corte de Justiça da Nação), que interrompeu total ou parcialmente reformas em setores como a energia e a segurança. O chefe do Executivo mexicano protagonizou diversos embates com o Judiciário durante o mandato, particularmente após a eleição interna da corte colocar a frente do tribunal a magistrada Norma Piña, em maio de 2023.
A juíza já se manifestou contrária à reforma judicial, que chamou de tentativa de “demolição do Poder Judiciário”, e consultou seus pares no tribunal sobre a possibilidade de barrar a reforma caso seja aprovada pelo Legislativo.
Detentora de maioria qualificada na Câmara e a apenas um voto de obter esta margem no Senado, a coalizão liderada pelo Morena (Movimento Regeneração Nacional), partido de AMLO e de Sheinbaum, pretende aprovar a reforma antes do fim do mandato do atual presidente, o que não deve ser difícil em termos legislativos.
A nova legislatura, que consolidou a dominância morenista, assumiu o cargo no dia 1º de setembro, um mês antes da troca no Executivo. Logo no dia 3 de setembro, a nova composição da Câmara já havia iniciado a discussão da proposta, que também foi barrada por manifestantes e retomada em um ginásio público da capital antes de ser aprovada pela Casa.
Minoritária, a oposição tem criticado a velocidade com que a proposta tem avançado no Congresso, sob o argumento de que não há discussão suficiente sobre um texto que tem suscitado controvérsia.
A reforma também tem gerado tensões com os Estados Unidos, que fala em ameaça às relações no âmbito do tratado entre México, Estados Unidos e Canadá e alerta para um “risco à democracia mexicana”. Uma das preocupações é que o tráfico de drogas, com ramificações em várias estruturas de poder no país, poderia se aproveitar da eleição popular para manipular os juízes.
Além da eleição de juízes e magistrados, a reforma propõe ainda a redução de números de ministros do Supremo de 11 para 9 integrantes, diminui de 15 para 12 anos o mandato deles e estabelece como teto salarial dos magistrados a mesma remuneração do Presidente da República, entre outras mudanças, inclusive em órgãos corregedores do Poder Judiciário.