A blusa tem traços de artesanato tradicional indígena e é rosa, a cor-símbolo dos atos em defesa da autonomia do órgão eleitoral. O colar tem pérolas e corações. No braço, as pulseiras de miçanga com letrinhas têm um quê de Taylor Swift. Assim Xóchitl Gálvez, candidata da oposição à Presidência do México, aparece para esta entrevista.
São símbolos que buscam enviar mensagens a seu eleitorado de olho no principal desafio: derrotar nas urnas a postulante governista, Claudia Sheinbaum, em 2 de junho. Sua concorrente larga na frente nas pesquisas e conta com o capital político invejável do atual presidente, o populista Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO.
Com a certeza de que o México terá neste ano a primeira mulher eleita presidente em sua história, Xóchitl (lê-se ‘sótil’) alça a agenda de gênero como prioridade. Descendente do povo indígena Ñähñu (também chamado de otomí), ela se tornou uma empresária de sucesso no ramo de edifícios inteligentes.
“A verdade é que havia zero oportunidade para as mulheres no meu povoado. Tínhamos de nos conformar com casar aos 14 anos e viver na pobreza, e eu me atrevi a sair dali”, diz ela durante entrevista concedida à Folha e a cinco veículos de imprensa de outros países da América Latina.
“Comecei minha luta social confrontando um cacique que tínhamos e que queria controlar a todos nós; isso depois de ter sido filha de um pai violento e com problemas de alcoolismo.”
A ex-senadora representa uma frente histórica de partidos de oposição. No mesmo espectro estão o PRI (Partido Revolucionário Institucional) e o PAN (Partido de Ação Nacional), siglas que por décadas revezaram o poder até a chegada à Presidência do Morena, partido de AMLO. Também compõe essas fileiras o PRD (Partido Renovação Democrática), esse de menor expressão.
Antes autodenominados “água e óleo”, PRI e PAN forjaram a aliança para tentar derrotar AMLO nas urnas, mas nos bastidores sinalizam que é pouca a possibilidade de que atuem em bloco no Congresso.
Para além de toda a representatividade que carrega, Xóchitl busca assumir o controle de um país cujos desafios são bem conhecidos, a começar pelos altos índices de violência, incluindo a política e a de gênero. O número de homicídios ao longo do último sexênio, o período de governo de Obrador, foi recorde.
“Demos ao atual presidente ferramentas que não havíamos dado a nenhum outro”, diz Xóchitl, mencionando a permissão do Congresso para que o Exército estivesse por determinado tempo nas ruas ajudando na segurança pública de todo o país.
“A ideia era que o Exército apoiasse a Guarda Nacional, instituição que deveria ter comando civil, não militar, de maneira excepcional”, segue. “Mas o que o presidente fez? Fez tudo ao contrário. Militarizou completamente o país, desde a Guarda Nacional até o comando das polícias estaduais, muitas das quais estão com o Exército.”
Xóchitl afirma que o Exército está de braços cruzados. “Não há uma estratégia de segurança. A tolerância com a delinquência é grande, cada vez temos mais crimes, mais extorsões, mais tráfico de armas.”
A frente opositora propõe então desmilitarizar a segurança pública e fortalecer uma Polícia Nacional Civil, ainda que sejam justamente os militares aqueles que mais gozam de popularidade entre os mexicanos segundo diversas pesquisas de opinião pública recentes.
O nome da oposição neste 2024 também diz querer reformar o modelo de prisões no México. “Hoje as prisões mexicanas são como hotéis, são centros de crime. De dentro da prisão os detentos praticam extorsões, conduzem os crimes, atuam como um autogoverno.”
O plano seria colocar em prática algum modelo como o de El Salvador de Nayib Bukele?
“Não é a ideia de El Salvador de prender meio mundo e colocar nas prisões”, afirma a candidata. “Aqui a ideia é que os criminosos sejam julgados [a maioria em El Salvador está detida sem ter visto um juiz] e que os impeçamos de seguir com suas práticas.”
Para as mexicanas, ela afirma que o objetivo é inserir cada vez mais mulheres no mercado de trabalho e combater a impunidade dos crimes de feminicídio. “Acredito muito na independência econômica das mulheres. Se as mulheres não têm independência econômica, dificilmente podem deixar para trás uma vida de violência.”
Desde o início da campanha eleitoral, Xóchitl aparece em segundo nas pesquisas de intenção de voto com uma margem considerável de distância da primeira colocada, Claudia Sheinbaum.
A última pesquisa conduzida pelo Reforma, um dos principais jornais mexicanos, em domicílio, de 6 a 12 de março, mostrava Sheinbaum com 58% dos possíveis votos, 24 pontos a mais que Xóchitl.
Outros levantamentos aproximaram as candidatas, como pesquisa telefônica da consultoria Massive Caller que mostrou Sheinbaum com 41,9% e Xóchitl com 37,3%, há duas semanas.
Com o mote de campanha “México sem medo”, a ex-senadora tenta se colocar como um nome que representa mais do que a mera oposição.
O rosa tão presente em suas vestimentas remete à cor que simboliza protestos massivos pela autonomia do Instituto Nacional Eleitoral do México, que AMLO tentou reduzir. Milhares lotaram a Praça Zócalo, a principal da capital mexicana, contra o ímpeto do presidente.
No braço, suas pulseiras fazem menção ao que chama de “Xóchitl lovers”, sua base de possíveis eleitores com forte atuação nas redes sociais. Resta saber o efeito que os fãs terão nas urnas daqui a um mês.
A jornalista viajou a convite da Fundação Konrad Adenauer (KAS)