Robert “Bobby” Charlton, que padecia desde 2020 com um quadro de demência, morreu no sábado (21), aos 86 anos.
O jornal inglês “The Independent” o classificou como o melhor futebolista que o país teve, assim titulando a sua morte: “Sir Bobby Charlton: o maior jogador de todos os tempos da Inglaterra e o artista de 1966”.
O ano alude ao em que os ingleses, jogando em casa, conquistaram sua única Copa do Mundo, tendo como destaques o meia-atacante Bobby Charlton, outro Bobby, Moore (capitão e zagueiro), e o atacante Geoff Hurst.
Bobby Charlton, que posteriormente se tornaria Sir (cavaleiro), recebendo da rainha Elizabeth 2ª o título de nobreza pelos serviços prestados à pátria, ainda disputaria a Copa seguinte, a de 1970, quando o English Team caiu nas quartas de final antes o Brasil de Pelé.
A morte de Bobby Charlton (que em 1958, aos 20 anos, sobrevivera a um acidente de avião que matou oito jogadores do Manchester United) me trouxe a lembrança do encontro que tive com ele, muito marcante para mim, ocorrido em 2010, em Manchester.
Um jantar com uma conversa muito breve, que relatei em texto de 2015, sob o título “A noite em que um senhor careca pôs Pelé em 2º lugar”, e que republico em parte, a seguir, em homenagem a esse craque que, quem sabe, possa reencontrar o Rei do Futebol do outro lado.
“O ano era 2010. O mês, setembro. O dia, não tenho certeza: 17 ou 18.
O país era a Inglaterra. A cidade, Manchester. O local, The Lowry.
Houve um jantar em dos salões nobres do hotel cinco estrelas.
O organizador era o Manchester United, que divulgava a jornalistas e convidados o patrocínio fechado com uma empresa chilena produtora de vinhos. Ou seria o organizador do evento essa mesma empresa, a fim de divulgar o patrocínio aos Red Devils? Não lembro. Não importa.
Naquele momento, o que importava é que, na mesma larga mesa redonda em que me sentei, a menos de dois metros de distância, sentava-se um senhor careca e elegantemente vestido: Sir Bobby Charlton, uma das lendas do futebol inglês e do United, clube que defendeu de 1954 a 1973.
Charlton foi campeão mundial com a Inglaterra em 1966 e enfrentou o Brasil na Copa de 1970, no México, quando a seleção tricampeã mundial ganhou por 1 a 0, gol de Jairzinho.
Eu queria falar com Charlton. Ouvir dele algumas histórias de sua carreira.
Que ele relembrasse como foi a Copa de 1966 –a única em que os inventores das regras do futebol, mas não do futebol, triunfaram (e com gol em que a bola não entrou na final contra a Alemanha).
Que falasse sobre o duelo com a seleção brasileira em Guadalajara, 45 anos atrás. E sobre os fracassos de Brasil e Inglaterra na Copa de 2010, na África do Sul.
Mas ele estava longe, a uma distância que não dava para conversar. Havia três pessoas à minha direita, entre eu e Charlton, e outras três à esquerda. Se não me engano, todas elas entendidas em vinho, não em futebol.
E o mesmo protocolo que me colocou, possivelmente por coincidência, na mesa com Charlton me impedia de trocar de lugar com os demais e me aproximar dele.
Vinho. Entrada. Mais vinho. Prato principal. Mais vinho. Sobremesa. Uma breve troca de palavras com o indivíduo à minha direita, uma mais breve ainda com o à esquerda.
Uma longa hora se passou até o jantar terminar. Os convidados se levantaram para ir embora, já estava tarde, e eu pensei: uma pergunta. Que seja uma única, mas que seja feita.
Charlton passou perto de mim, conversava com alguém, e eu educadamente interrompi e me apresentei. “Luís Curro, do jornal Folha de S.Paulo. Do Brasil.”
De forma cordial, ele me deu atenção, e eu acabei questionando algo que considerava óbvio: “Quem o senhor considera o melhor jogador de futebol da história?”.
Emendei, meio que respondendo por ele: “Pelé?”.
Charlton, então com 72 anos, contemplou-me por um instante, sorriu e respondeu calmamente: “Garoto, você viu Di Stéfano jogar?”.
Eu fiquei sem palavras, e aquele senhor careca e elegantemente vestido voltou a dar atenção a seu interlocutor, caminhando rumo à porta de saída do salão.”
Alfredo di Stéfano (1926-2014), eleito por Bobby Charlton como o melhor no futebol, nasceu na Argentina e defendeu, além da seleção de seu país, a da Colômbia e a da Espanha.
É um dos maiores ídolos da história do Real Madrid, clube que defendeu de 1953 a 1964.
Nunca disputou uma partida de Copa do Mundo.