“Meu filho tinha 16 anos quando foi tirado de casa por 23 policiais militares no estado da Bahia, Brasil, em outubro de 2014”, disse Rute Fiuza, mãe de Davi, na última sexta-feira (4), em Genebra, no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
“Exijo que o Estado brasileiro diga onde está o corpo de meu filho, para que ele possa ter um funeral digno. E que o Estado garanta a segurança de defensores que trabalham no âmbito da justiça racial.”
“Davi se somou às estatísticas de mais de 82 mil desaparecimentos forçados em plena democracia. No Brasil, existe uma política de extermínio de jovens negros”, afirmou.
Integrante do Coletivo de Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado Brasileiro, Rute foi a Genebra com Coalizão Antirracista da ONU, o International Service for Human Rights e o Instituto Raça e Igualdade.
Junto dela estavam Ana Paula Oliveira, do movimento Mães de Manguinhos, e Maria José Menezes, da Coalizão Negra por Direitos. Acompanhavam a apresentação de um relatório do Emler —instrumento da ONU cuja sigla significa, em inglês, “mecanismo para promover justiça racial e igualdade no contexto da aplicação da lei”—, produzido em visita ao Brasil entre novembro e dezembro de 2023.
O relatório reitera que o racismo brasileiro é um legado da escravização e do colonialismo que se manifesta nas políticas de saúde e educação, na falta de representação de pessoas negras em cargos de poder e na atuação da polícia e do Judiciário.
“O uso excessivo da força, que leva a milhares de mortes todos os anos, e o encarceramento excessivo, que afeta desproporcionalmente as pessoas afrodescendentes, são consequências de um racismo sistêmico que, combinado com as atuais políticas de ‘guerra ao crime’, resultam em um processo de limpeza social que busca exterminar setores da sociedade considerados indesejáveis, perigosos e criminosos”, diz o documento.
Além da constatação, o relatório faz recomendações ao Estado brasileiro como a de proibir o perfilamento racial –quando pessoas são acusadas de crimes em razão da cor de sua pele, em vez de evidências concretas de atividade criminosa–, abandonar a política chamada de “guerra às drogas” e reduzir o encarceramento em massa de pessoas negras.
O Estado brasileiro respondeu ao Emler que está comprometido com a promoção e a proteção de direitos humanos e que uma das prioridades do atual governo tem sido a redução da violência contra afrodescendentes: “Esse compromisso levou à criação do Ministério da Igualdade Racial e a iniciativas para aumentar a participação social e a diversidade dentro do governo”, escreveu.
O Programa Juventude Negra Viva foi citado como uma política pública desenvolvida para enfrentar diretamente as questões destacadas no relatório. “O objetivo é reduzir os homicídios e as vulnerabilidades sociais, bem como promover políticas intersetoriais em áreas como segurança pública, emprego, saúde, educação, cultura, esportes.”
A resposta também citou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, do Ministério da Justiça, que tem o objetivo de incentivar estados e municípios a criar políticas de segurança comunitária e intersetorial.
Resta saber se, além de palavras, o governo brasileiro vai de fato reduzir o número de pessoas negras assassinadas a cada ano. Rute Fiuza pede, há dez anos, o corpo de seu filho para um funeral digno. Enquanto isso, uma pessoa negra é assassinada a cada 12 minutos.
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