A decisão do ditador da Venezuela Nicolás Maduro de convocar um referendo sobre o destino do território da Guiana Essequiba gerou uma grande preocupação em toda a comunidade internacional sobre o início de um novo conflito.
Os países vizinhos, como o Brasil, já estão mobilizando suas tropas na fronteira para tentar dissuadir o regime da Venezuela de qualquer investida bélica.
Entretanto, a reivindicação do território da Guiana não é uma pauta exclusiva da ditadura bolivariana. É uma das pouquíssimas questões que conseguem unificar o regime e a oposição.
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Em entrevista exclusiva a Oeste, a ex-embaixadora da Venezuela no Brasil María Teresa Belandria, indicada pelo então líder das oposições Juan Guaidó, salienta a complexidade da questão, ressaltou como possível data para uma ação de Maduro o começo de abril.
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Belandria classificou o referendo como um “fracasso”, por causa da baixíssima adesão popular, e o resultado foi “fraudado”. Mas salientou que as Forças Armadas ainda são fiéis a Maduro.
Embaixadora, a questão da Guiana Essequiba é um assunto que une o governo e a oposição na Venezuela?
A questão do Essequiba é uma luta de muitos anos de todo o povo venezuelano. Ninguém na Venezuela reconhece a decisão de 1899, que prejudicou o país, entregando o território para a Guiana. Mas estamos desde 1966 levando a questão adiante em nível judicial internacional. O referendo é apenas uma tentativa de Maduro de politizar algo que deveria ser levado adiante com outros meios. Um grande erro, pois a soberania se exerce, não se consulta.
Mas então a senhora acha que seria necessário passar diretamente para as vias de fato, com uma invasão do território?
Claro que não! Há meios pacíficos para discutir a questão. Um deles é em frente à Corte Internacional de Justiça (CIJ), em que a Venezuela recorreu no passado. Mas ninguém aqui está falando de iniciar uma guerra, em aberta violação do Direito internacional.
Qual a razão de o regime de Maduro organizar esse referendo?
O regime está tentando criar uma narrativa política, que poderá ser utilizada no futuro. O governo não quer realizar as eleições, pois sabe que iria perder feio, pois a situação econômica e social no país está devastada. Então está fazendo de tudo para encontrar uma desculpa para postergar ou anular as eleições. Ou criar um sentimento de comoção nacional para tentar compactar a opinião pública.
E esse referendo deu sinais de que poderia conseguir tal feito?
Muito pelo contrário. Os números foram eloquentes: apenas 2 milhões de pessoas foram votar. Diferente do que apareceu na mídia do regime, que falou em 10 milhões. Eles contabilizaram cada uma das cinco questões como um voto separado. Mas a baixíssima afluência mostra como eles conseguiram mobilizar apenas os seus. Apenas as pessoas que já eram cadastradas nos registros governamentais. Isso deve ter gerado ainda mais preocupação em Maduro e aliados.
O que a senhora acha que vai acontecer agora? Maduro vai ordenar a invasão?
Acho difícil isso acontecer no curto prazo. É preciso preparo adequado para esse tipo de operações militares. Precisaria de mais tempo. Entretanto, ninguém sabe o que vai acontecer. Maduro iniciou uma confusão entre as mais sérias possíveis. Entretanto, o que podemos razoavelmente prever é que o regime tente alguma ação, militar ou não, por volta do próximo dia 8 de abril, quando terá que apresentar sua defesa final em frente à Corte Internacional de Justiça. Querem montar um caso, mas isso terá consequências jurídicas e políticas nacionais e internacionais.
Por exemplo?
Ameaçar invadir outro país é um crime internacional contra a paz. Maduro e membros de seu governo poderão ser processados na Corte Penal Internacional (CPI) de Haia. Já existe uma investigação aberta pela Corte contra o regime por crimes contra a humanidade. Essa seria outra acusação.
A senhora acha que poderíamos estar próximos de um “momento Malvinas”, como foi no caso da ditadura militar argentina, em 1982? Sentindo-se pressionada internamente, decidiu a invasão das ilhas britânicas para tentar compactar a opinião pública do país. Maduro estaria fazendo o mesmo com a Guiana?
Pode ser, mas ainda é cedo para uma previsão como essa. Ao mesmo tempo, ao longo da história, todos os ditadores que atacaram países ou territórios vizinhos, tentando compactar a opinião pública e apelando a reivindicações históricas, se deram muito mal. E acabaram perdendo o poder logo depois. O caso da ditadura argentina com as Malvinas é eloquente. Mas podemos citar também o Iraque de Saddam Hussein com o Kuwait. No fim, todos os que seguiram esse mesmo manual acabaram perdendo o poder.
Qual seriam as consequências diplomáticas de uma eventual invasão para a Venezuela?
O isolamento. Mesmo por parte de governos de esquerda. E até mesmo por parte de ditaduras, como a cubana. Cuba sempre apoiou a Guiana. E o regime cubano está tentando mediar para evitar uma guerra. O Brasil também não toleraria uma invasão. Mas até mesmo o governo de Gustavo Petro, na Colômbia, muito próximo de Maduro, não aceitaria um desfecho como esse. Ninguém vai apoiar uma aventura. Sem contar que a Guiana pediria ajuda aos Estados Unidos e ao Reino Unido. E a consequência imediata seria a abertura de bases militares estrangeiras na América do Sul. Tudo o que o Brasil não quer.
As Forças Armadas estão ainda com Maduro? Elas teriam capacidade para uma invasão militar da Guiana?
Sim, Maduro tem o pleno controle das Forças Armadas. Algo que não tinha em 2013, quando chegou ao poder. Mas agora está consolidado. Então, eles obedeceriam a uma ordem de invasão. Agora, é preciso considerar que a Guiana tem apenas 600 mil habitantes. A Venezuela mais de 27 milhões de habitantes. Com uma diáspora de 8 milhões. Eles tem menos de 4 mil homens das Forças Armadas. Não teria como resistir a um Exército dezenas de vezes mais forte.
A senhora acha que no próximo ano ocorrerão eleições na Venezuela?
Acredito será muito difícil. Muito dependerá das pressões internacionais. Mas, mesmo que ocorram eleições, elas serão fraudadas até mesmo antes de se iniciar. Não serão eleições livres. Pois o Tribunal Superior Eleitoral da Venezuela, controlado pelo regime, já condenou injustamente María Corina Machado, com um pretexto para deixá-la inelegível. Ela é a única candidata capaz de unir as oposições. Maduro ficou assustado após a vitória dela nas eleições prévias. E decidiu tirá-las do jogo. Mas eles estão deixando outros candidatos concorrerem, como Henrique Capriles. Nomes que dividirão a oposição. Maduro está colocando muitas peças no tabuleiro para o ano que vem. Mas eu sempre saliento: não podemos subavaliá-lo. Ele está no poder há mais de uma década. Se não fosse capaz de cálculos políticos minimamente sofisticados, ele já teria perdido o poder há muito tempo. Portanto, o mundo não deve subestimar Nicolás Maduro.