O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a Nova York neste sábado (21) ciente de que vai precisar aumentar a ênfase em seus discursos para o tema do meio ambiente, diante da onda de queimadas que assola o Brasil.
Ao mesmo tempo, o petista —que participa pela nona vez da Assembleia-Geral das Nações Unidas— quer aproveitar seus pronunciamentos para impulsionar um pleito histórico da diplomacia brasileira: a reforma da governança global, principalmente da ONU e de seu Conselho de Segurança.
O Brasil enfrenta a maior estiagem já registrada, com recordes de incêndios, cidades sob fumaça e rios com baixo volume de água ou em níveis desérticos. Além da repercussão internacional, o tema virou um problema de política interna para Lula, com governadores da oposição cobrando uma maior atuação na esfera federal.
Ciente de que será impossível evitar falar das queimadas, o presidente deve usar o exemplo dos incêndios para reforçar o argumento de que é preciso agir urgentemente em medidas relacionadas ao clima.
A ideia é elencar o caso brasileiro como mais um argumento para ações defendidas há muito pelo Brasil, entre elas a de que os países desenvolvidos devem concretizar antigas promessas de recursos para o enfrentamento ao aquecimento global.
A pauta do meio ambiente ganha um contexto ainda mais central na agenda internacional de Lula uma vez que o país presidirá, no ano que vem, a conferência do clima da ONU —a COP30.
Apesar de a agenda climática ter subido de patamar nas prioridades da viagem a Nova York, o principal tema da participação de Lula na ONU neste ano deve ser a defesa da reforma das instituições internacionais, tanto as de caráter econômico quanto as políticas. O argumento da diplomacia brasileira é que as estruturas atuais, muitas desenhadas no pós-guerra, não refletem a atual geopolítica internacional.
Lula deve abordar o assunto pela primeira vez neste domingo (22), durante a Cúpula do Futuro, presidida pelo secretário-geral da ONU, o português António Guterres. Trata-se de projeto no qual Guterres busca criar um legado do seu período à frente das Nações Unidas, num momento em que a efetividade do multilateralismo é questionado pelas diferentes crises geopolíticas da atualidade.
Por um lado, o documento final negociado pelos países para a cúpula traz pontos comemorados pela diplomacia brasileira, entre eles a referência à expectativa de que a reformulação do Conselho de Segurança ocorra até 2030. Também consta o reconhecimento de que é preciso corrigir injustiças na representatividade do órgão, com foco principal na África e citação da América Latina.
Por outro lado, resistências ao alargamento do colegiado, que vêm principalmente de Estados Unidos e China, impediram avanços almejados pelo Brasil. Os países conseguiram acordar apenas no sentido de intensificar esforços para rediscutir as categorias do conselho, hoje dividido entre membros permanentes e temporários. O mesmo ocorreu com o tema do veto, um dos pontos mais criticados por Lula, em que não houve consenso para uma linguagem mais assertiva.
Há ceticismo de diplomatas brasileiros de que as potências que hoje têm um assento permanente no conselho um dia de fato aceitarão sua expansão, independente das sinalizações políticas que venham da Cúpula do Futuro. A China, por exemplo, rejeita qualquer mudança que envolva elevar status de seus rivais, como a Índia.
Os EUA, por sua vez, disseram recentemente apoiar a inclusão de dois novos membros permanentes do continente africano, mas se opuseram a dar a esses possíveis novos integrantes o poder de veto.
“Há um reconhecimento de que essa expansão deve acontecer, que deve incluir as regiões subrepresentadas ou não representadas, como América Latina e África”, diz à Folha o embaixador Carlos Cozendey, secretário de Assuntos Multilaterais Políticos do Itamaraty. “Então você vai caminhando muito aos poucos com certos consensos que vão sendo construídos. Mas não se pode dizer que essa reforma vai acontecer no mês que vem.”
A defesa da reestruturação da ONU deve constar tanto no discurso de Lula na Assembleia-Geral da ONU, na próxima terça-feira (24), como numa reunião de chanceleres do G20 no dia seguinte.
No caso do grupo que reúne as 20 principais economias do mundo, neste ano presidido pelo Brasil, os países negociaram uma declaração que aborda a necessidade de reforma do Conselho de Segurança. O texto traz uma linguagem em linha com o acertado pelos membros da ONU no Pacto do Futuro.