O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega nesta quarta-feira (28) a Georgetown, capital da Guiana, onde vai se reunir com o presidente do país, Irfaan Ali, em meio à disputa congelada pela região do Essequibo —território reconhecido na comunidade internacional como parte da Guiana e reivindicado pela Venezuela.
Lula participa como convidado da reunião de chefes de governo da Caricom (Comunidade do Caribe), que reúne 15 países e 5 territórios da região. A previsão é de que o petista discurse durante a sessão plenária do grupo, nesta quarta, além de participar de reuniões às margens do evento.
Em seguida, Lula vai a São Vicente e Granadinas para participar da cúpula da Celac (Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos), onde deve se reunir com o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro. O encontro, porém, ainda não está confirmado.
O giro pelo Caribe e as conversas com as duas partes envolvidas na disputa territorial devem acontecer pouco mais de um mês depois que os chanceleres dos dois países se reuniram em Brasília, com mediação do ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores), em janeiro.
Na ocasião, o encontro entre os representantes de Georgetown e Caracas na capital brasileira durou sete horas. Ao final, o comunicado conjunto divulgado à imprensa dizia que o encontro havia sido um “bom começo”, mas não havia declarações diretas sobre Essequibo e nenhum anúncio de medida concreta.
A crise entre os dois países tem sido revivida pelo regime Maduro ao menos desde que enormes reservas de petróleo foram descobertas na costa da região guianesa, em 2015.
A ExxonMobil lidera o consórcio com a americana Hess e a chinesa CNOOC que descobriu 11 bilhões de barris de petróleo e hoje produz cerca de 645 mil barris por dia. O presidente Ali afirmou em conferência do setor de energia neste mês que os vencedores de um novo leilão para novos poços serão divulgados no fim de março.
Apesar de não haver confirmação oficial, a agência de notícias Reuters diz que Lula deve se reunir com Maduro às margens da cúpula da Celac, para buscar garantias de que Caracas não vai aumentar a fervura da discussão e usar a força para resolver a contenda e incorporar o Essequibo a seu mapa. Em discursos, já o fez. Depois de um referendo na Venezuela aprovar em dezembro a incorporação da região como um estado do país, Maduro divulgou o novo mapa da nação com o Essequibo no território venezuelano.
Sua escalada retórica, no entanto, esteve ali em seu auge. Depois disso, além da reunião dos chanceleres em Brasília, o venezuelano se encontrou com o guianense em São Vicente e Granadinas, em dezembro, e os dois se cumprimentaram. Já em fevereiro, Maduro afirmou que tem “grande respeito” por Ali.
Na avaliação do governo brasileiro, o encontro no arquipélago caribenho afastou tensões —de fato, não houve novas escaladas retóricas ou ações de Caracas em sentido contrário. Nada que afaste porém a percepção, na Guiana, de que as intenções de Maduro podem se concretizar a qualquer momento.
Da cidade de fronteira com o Brasil, em Lethem, à capital, na costa, outdoors, adesivos e camisetas com a frase “Esequibo belongs to Guyana” (o Essequibo pertence à Guiana) deixam clara a posição de Georgetown e de parte considerável dos guianenses. “Faremos tudo o que for necessário para garantir a soberania e a integridade territorial da Guiana”, afirmou Ali em dezembro.
O governo local recebe o encontro da Caricom em um momento de pujança inédita para o país. Segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), a Guiana foi a nação que mais cresceu em 2022: 62%. As estimativas para 2023 estão na casa dos 30%, com projeção para que fique em patamar próximo disso pelos próximos quatro anos.
Lula ainda tem previstas durante a passagem por Georgetown um encontro com a primeira-ministra de Barbados, Mia Amor Mottley, e uma reunião trilateral com Guiana e Suriname, onde devem ser discutidos assuntos relacionados à integração econômica da região —o Brasil não tem conexão aérea direta com Georgetown e a única estrada que liga Boa Vista à capital guianense é de acesso difícil, com trechos sem asfalto e pouca infraestrutura.
Assessores do Planalto e do Itamaraty têm reiterado a importância política da visita. A Caricom representa 7% da ONU e 40% da OEA (Organização dos Estados Americanos) e tende a votar em conjunto nos fóruns internacionais —daí a relevância de boas relações com as nações e a comunidade como um todo.
Durante os primeiros mandatos de Lula, novas embaixadas foram abertas em países caribenhos , para serem fechadas durante o governo de Jair Bolsonaro. A ideia é que algumas delas sejam reabertas, como a de São Vicente e Granadinas.
Estarão na comitiva do petista os ministros Simone Tebet (Planejamento), Renan Filho (Transportes), Portos e Aeroportos (Silvio Costa Filho) e Waldez Goes (Integração e Desenvolvimento Regional).
O grupo mostra o foco que o governo brasileiro deve levar ao encontro. Propostas de desenvolvimento de um eixo de integração do norte brasileiro com Guiana, Suriname e Guiana Francesa estarão em pauta.
A disputa entre Guiana e Venezuela remonta ao começo do século 19, quando a Venezuela conseguiu sua independência da Espanha. Na partilha posterior da região, um tratado entre Reino Unido e Holanda deu, em 1814, terras que eram de Amsterdã na margem esquerda do rio Essequibo.
Em 1831, ela comporia dois terços da nova Guiana Inglesa, vizinha da Francesa, até hoje território de Paris, e da Holandesa, que se tornou o Suriname independente em 1975.
Os venezuelanos discordavam da divisão, e uma comissão internacional foi formada em Paris para arbitrar a questão. Em 1899, um laudo deu posse definitiva da área para os britânicos. Isso perdurou até o fim dos anos 1940, quando uma campanha de Caracas recomeçou, agora baseada na acusação de que o acordo era fraudulento e fora influenciado por Londres.
Novas negociações ocorreram e, em 1966, foi firmado o Acordo de Genebra entre Londres e Caracas. Segundo ele, porém, havia pouca concordância: a Venezuela reforçava sua rejeição ao laudo de 1899 e o Reino Unido, sem fazer isso, aceitava discutir a questão fronteiriça até existir uma “decisão satisfatória”.
Poucos meses depois, contudo, a Guiana tornou-se independente. As negociações não prosperaram no prazo previsto de quatro anos, um novo protocolo foi firmado e o assunto ficou congelado por 12 anos, até que a Venezuela resolveu não ratificar o protocolo, em 1982, e levou o caso à ONU.
Em 1982, a Venezuela por fim decidiu não ratificar o protocolo e o assunto acabou sendo levado à ONU. Anos de conversas, mais ou menos amigáveis, sucederam-se até a ascensão do chavismo nos anos 2000 em Caracas, quando a questão tomou rumos mais pacíficos.
Com as descobertas do petróleo na costa justamente do Essequibo, Maduro passou a retomar a questão e ameaçar a Guiana. A ONU, então, indicou como fórum para o caso a Corte Internacional de Justiça, que em dezembro afirmou que a Venezuela não deve agir para “modificar a situação” do Essequibo.