Por terra e por ar, um batalhão de argentinos vestidos de “azul e ouro” começa a se deslocar ao Rio de Janeiro para a final da Copa Libertadores. No sábado (4), o Boca Juniors enfrenta o Fluminense no Maracanã em busca do título de maior vencedor da história da competição —ao lado do Independiente, que já tem sete taças.
Montagens com uma multidão de bandeiras em frente ao estádio ou aos morros do Leblon inundam as redes sociais do país vizinho e prenunciam o que está por vir. Os argentinos só terão 20 mil ingressos reservados, mas a prefeitura de Eduardo Paes (PSD) espera a chegada de mais de 100 mil torcedores, muitos dos quais já estão a caminho da cidade em aviões, ônibus, carros e até a pé.
Com eles, porém, vem também o temor de episódios de violência. O próprio Boca divulgou uma lista de recomendações lembrando que “cantos e gestos racistas/xenófobos constituem um delito grave que pode levar a até cinco anos de prisão”, crime que não é incomum quando os dois países se enfrentam. Aconselhou ainda a “evitar qualquer tipo de provocação ao povo brasileiro”.
Na sexta-feira (3), às 16h, está previsto um “bandeiraço” dos apoiadores do time na praia de Copacabana, na altura do Quiosque Buenos Aires, onde os argentinos costumavam se reunir durante a Copa do Mundo de 2014. Até lá, também estará funcionando na areia uma “fan zone” da Conmebol (Confederação Sulamericana de Futebol), aberta desde segunda (30).
Já na data do jogo, torcedores do Fluminense terão um telão na praça da Cinelândia, enquanto os rivais contarão com uma estrutura no sambódromo da Sapucaí, ambos no centro, a 2,5 km de distância. “Tem que fazer uma média com os hermanos, que na Copa do Mundo acamparam em Copacabana”, brincou Paes, vascaíno.
A Polícia Militar do RJ não respondeu como será o esquema de segurança. Nesta terça, o governo federal anunciou que a Polícia Rodoviária Federal e a Força Nacional vão reforçar o policiamento no Rio durante o fim de semana.
A tensão já começou a subir nesta segunda, quando um grupo de torcedores argentinos foi agredido por tricolores na praia de Copacabana, segundo um deles, que publicou uma foto com a cabeça sangrando. “Nos espancaram. Roubaram meu celular. Éramos 30 e vieram com cadeiras à praia para nos atacar”, escreveu Pablo Moulia, com quem a Folha não conseguiu contato.
Imagens de uma torcedora deitada na orla com a cabeça ferida também causaram revolta no país vizinho. Questionada, a Polícia Civil disse que três homens foram levados à delegacia de turismo e autuados em flagrante por lesão corporal, associação criminosa e tentativa de roubo. O governo de Cláudio Castro (PL), responsável pelos agentes que atenderam a ocorrência, não respondeu.
Ameaças dos dois lados nas redes sociais ajudam a elevar a pressão. “Pra racista é soco na boca”, publicou há alguns dias a torcida organizada Sobranada, do Fluminense, usando cores que remetem à bandeira da Argentina e do Boca. “Se querem guerra, vamos dar”, rebateu Rafael Di Zeo, líder da La 12, maior torcida organizada do time rival.
O grupo tricolor então treplicou, desta vez em espanhol: “Todos os torcedores comuns do Boca, as famílias, as crianças, serão bem-vindos no Rio. Os cagões da 12, fiquem atentos”, escreveu, divulgando em seguida comentários com emoticons de macacos e bananas que recebeu em posts anteriores e, por fim, um vídeo editado de brigas de torcida.
Até o ex-jogador e senador Romário (PL-RJ) entrou na polêmica e foi tema de diários esportivos no país vizinho. “Quem deve levar é o Fluminense. Argentino que se f*, esses filha da p*. É isso, e Boca vai tomar no c*. Sou Fluminense desde que nasci”, afirmou em entrevista ao jornal O Globo, ironizando, já que é torcedor do America-RJ.
Na visão de Fernando “Chino de Merlo”, 50, presidente da filial da torcida do Boca na cidade de Merlo, na Grande Buenos Aires, foram casos isolados e não se deve generalizar. “Devemos chegar em paz. Mas se nos procurarem, vão nos encontrar”, alerta ele, que afirma estar muito nervoso e ansioso depois de quase um mês de preparativos, desde que o Boca eliminou o Palmeiras nos pênaltis.
Ele sairá com o filho pequeno nesta quarta (1º) da capital argentina junto com a “Caravana do Oeste” numa viagem que durará dois dias. Serão dez ônibus, que se juntarão a outros dez ao passar pela província fronteiriça de Missiones e por Foz do Iguaçu (PR). Uma outra grande leva de coletivos também atravessará pela fronteira com Uruguaiana (RS), segundo ele.
“Já saiu um monte de voos, e nesta quarta já está chegando um monte de gente no Rio. Para sexta, espera-se que todo mundo já esteja lá”, afirma, respondendo que a viagem chega a custar de 160 mil a 230 mil pesos (R$ 950 a R$ 1.400), e muitos faltarão ao trabalho. “Estamos em uma situação econômica em que muitos não podem gastar tanto, mas elas gastam, por amor ao clube e à camiseta”, se orgulha.
De fato, imagens de grandes grupos “alentando” em coro nos aeroportos e até dentro dos aviões já começam a se espalhar. Só não são mais fanáticos que o argentino Leandro Fortunato, que viralizou ao iniciar uma caminhada de mais de 2.600 km durante os últimos 20 dias para ir à final, após uma aparente desilusão amorosa. Chegou a Copacabana nesta segunda, com seu violão, e já está tomando sol.