Se você já se aventurou no mundo culinário, pode ter presenciado um milagre aquático: a levitação de gotas de água. Esse efeito, aparentemente banal, ocorre em condições específicas de interação entre superfícies superaquecidas e os estados físicos dos líquidos.
Todavia, além de uma bela dança das gotículas em sua frigideira, esse efeito pode ter aplicações práticas para fenômenos de transferência de calor e processos de resfriamento industrial e nuclear. Quer saber mais sobre a pesquisa e como essa “mágica” física funciona?
A “levitação” funciona apenas com gotas esparsas de água.Fonte: Getty Images
O que é o Efeito Leidenfrost?
Leidenfrost é um efeito físico-químico de transferência de calor e mudança de estado dos líquidos, mais especificamente da água. Ele recebeu o nome em homenagem a Johann Gottlob Leidenfrost, médico alemão que escreveu um tratado sobre o fenômeno em 1756.
Este é um fenômeno bem descrito e seus mecanismos são bastante simples. Em condições normais, a água ferve em temperaturas iguais ou superiores a 100 °C. Em contato com superfícies a essa temperatura, ela tende a absorver o calor de maneira mais uniforme, aquecendo gradualmente toda gotícula, que aos poucos vai se transformando em vapor.
Mas no Efeito Leidenfrost essa transformação ocorre de maneira mais dramática. Conforme a literatura, é necessária que a superfície esteja ao menos há 230 °C para que o fenômeno possa ser visto.
Quando uma gota entra em contato com essa superfície super quente, instantaneamente tem sua “camada externa” transformada em vapor. Isso faz com que essa vaporização gere uma espécie de “colchão” que retira momentaneamente o contato entre a água e a superfície quente, fazendo com que o calor não seja transmitido para o núcleo da gota, impedindo que toda ela seja aquecida. Esse processo se torna um ciclo, até que toda água seja vaporizada ou caso a superfície de contato se esfrie.
O que faz com que a temperatura da superfície também perca um pouco de calor, mas se estiver sob ação de uma fonte permanente de aquecimento, logo ele recupera a temperatura inicial, e com o “sumiço” do vapor, a gota novamente irá cair em direção a chapa, reiniciando o ciclo, até que ela se esvaia toda em vapor.
Revolução de resfriamento?
Mas um grupo de pesquisa da Virgínia Tech parece ter conseguido avanços significativos para se obter o mesmo resultado, mesmo em temperaturas mais baixas. Eles desenvolveram uma superfície com pequenas ranhuras com alturas de 0,08 milímetros e com uma distância de 0,12 milímetros entre uma ranhura e outra.
Nessa configuração, mesmo a uma temperatura de 130 °C, ou seja, 100 °C abaixo do esperado, o Efeito Leidenfrost também pode ser observado. Segundo o grupo, isso é possível graças a distribuição de calor mais uniforme provocada pela presença dessas micro-ranhuras, ou “pequenas torres”, como eles chamaram.
Bolhas de vapor são geradas pela água em contato direto com a fonte de calor, e não há controle do tamanho da bolha formada, podendo gerar acidentes.Fonte: Getty Images
Em uma aplicação prática, em resfriadores a base de dispersão de calor por meio de líquidos, como as usinas nucleares, poderia se sugerir a substituição de chapas lisas dos reatores em contato com água, por materiais mais “texturizados”, podendo otimizar o processo de resfriamento, assim como prevenir explosões de vapor.
Ainda que pareça uma ideia simples, a constatação do grupo pode agregar, e muito, para o desenvolvimento de tecnologias de resfriamento e a prevenção de acidentes, afinal, a temperatura crítica do sistema não teria necessidade de atingir os 230 °C anteriormente preconizados, mas sim, uma temperatura mais “amena” facilitando o manejo. Quase a temperatura que você usualmente utiliza para passar um café.
De curiosidade a avanço tecnológico
Uma boa parcela dos eventos que você experimenta cotidianamente possuem uma explicação física, química ou biológica interessantes.
Mesmo o Efeito Leidenfrost, que você pode ter experimentado todos os dias na sua cozinha de guerra, podem ter usos muito mais extraordinários em ampla escala. Não ignore a ciência do cotidiano, ela pode te trazer gratas surpresas.
Você sabia, por exemplo, que o douradinho da sua comida é graças a reação de Maillard? Mas esse é um tema para outro dia. Enquanto isso, que tal se maravilhar com outros tipos de levitações?
Gostou do conteúdo? Então, fique por dentro de mais estudos químicos como esse aqui no TecMundo e aproveite descobrir, o porquê a estrutura da molécula de água pode ser, diferente do que aprendemos. Até mais!