Um socialista nos princípios, que se adaptou ao centro e atuou para afastar de seu partido propostas e lideranças de esquerda para levá-lo novamente ao poder. Uma figura que não move paixões, mas suficientemente palatável para atrair eleitores indecisos.
Keir Starmer, 61, líder dos trabalhistas britânicos desde 2020, está muito próximo de quebrar o domínio dos conservadores e levar sua agremiação de volta ao poder no Reino Unido após 14 anos, nas eleições gerais que ocorrem no próximo dia 4 de julho.
Na monarquia parlamentarista, o partido com a maioria dos deputados na Câmara dos Comuns indica o primeiro-ministro, que receberá um aval meramente formal do rei Charles 3º.
De acordo com o agregador de pesquisas do Financial Times, os trabalhistas têm ampla vantagem, com 42,5% das intenções, ante 21,8% dos conservadores. Prevê-se um desastre nas urnas para o atual primeiro-ministro, Rishi Sunak, cuja legenda poderá ficar com apenas 72 das 650 cadeiras (antes da dissolução da Casa, no mês passado, eram 344).
As propostas do provável futuro premiê nada têm de radicais: estabilidade econômica com regras rígidas de gastos; redução do tempo de espera do sistema de saúde, com mais 40 mil consultas noturnas e aos fins de semana; criação de uma empresa pública de energia limpa; reforço das polícias de bairro e contratação de 6.500 novos professores, que seriam pagos com o fim de isenções fiscais para escolas particulares.
Sobre migração, tema que mais mobiliza os britânicos, Starmer promete enterrar o plano de Sunak de enviar solicitantes de asilo para Ruanda, que tem sido muito criticado por organizações de direitos humanos. Para o trabalhista, o dinheiro gasto com o traslado poderia ser investido em aumento de segurança nos pontos de entrada de migrantes e em um sistema que reencaminhe rapidamente a seus países pessoas em situação irregular.
Apesar de ter sido contrário ao brexit, Starmer tem buscado se alinhar ao eleitor médio que defendeu a saída do país da União Europeia. Ele descarta a princípio trabalhar por um novo referendo, restringindo-se a dizer que o arranjo feito pelo ex-premiê Boris Johnson é “muito frágil” e que seu partido buscará um acordo comercial “muito melhor” com o bloco em uma revisão, a ser feita em 2025.
“Tenho uma ambição para o país e um plano prático para realizá-lo. Mudei o Partido Trabalhista e o coloquei novamente a serviço dos trabalhadores”, afirmou Starmer no primeiro debate na TV com Sunak, no início de junho. Ele tem insistido no ponto de que a legenda hoje é diferente do passado. E o motivo é se distanciar das ideias de seu antecessor, Jeremy Corbyn.
Após dez anos no comando do país sob a bandeira do chamado “novo trabalhismo”, com Tony Blair (1997-2007) e quase três anos turbulentos com Gordon Brown, os trabalhistas foram derrotados em 2010, sob a liderança conservadora de David Cameron.
Pesaram para o fracasso nas urnas a controversa decisão de invadir o Iraque em 2003, a crise financeira mundial de 2008 e políticas pouco efetivas para conter a migração de quase 1 milhão de pessoas de países do Leste Europeu que haviam aderido à União Europeia, da qual o Reino Unido ainda fazia parte à época.
Os reveses eleitorais se sucediam até que, rachado, o trabalhismo decidiu em 2015 colocar Corbyn na liderança. Em um manifesto radical, ele propunha eliminar as taxas de ensino, renacionalizar as ferrovias e reverter a austeridade fiscal, com tributos pesados às corporações e aos ricos.
Uma espécie de Bernie Sanders britânico, Corbyn virou estrela pop: fez um discurso contra o então recém-eleito presidente americano Donald Trump no festival Glastonbury; viu seus apoiadores puxarem o coro “oh, Jeremy Corbyn” com a melodia da música “Seven Nation Army”, da banda White Stripes (tal como acontece nos estádios de futebol), e atraiu uma multidão de jovens.
Mas a Corbynmania durou pouco. Eleitores moderados se afastaram. No referendo do brexit, Corbyn foi um líder vacilante, inclusive visto internamente, de certa forma, como simpatizante não declarado da saída britânica, pois considerava a UE “uma conspiração de empresários”.
Uma vez à frente dos trabalhistas, Starmer escanteou os nomes de esquerda, entre eles Corbyn, que mais tarde deixaria o partido. A guinada ao centro também foi um rompimento com seu próprio passado.
Advogado de direitos humanos vindo da classe média, ele foi membro dos Jovens Socialistas do Partido Trabalhista em East Surrey e editor da Socialist Alternatives, uma revista trotskista. Seu pai trabalhava como ferramenteiro, e a mãe era enfermeira do NHS, o sistema de saúde britânico que inspirou o SUS (Sistema Único de Saúde) brasileiro. Starmer foi o primeiro da família a ir para uma universidade, em Leeds, onde cursou direito.
Por seu trabalho no Ministério Público, foi condecorado com o título de sir em 2014, uma tradição para os que desempenharam a função, mas incomum para um trabalhista. Entrou para a política institucional e foi eleito pela primeira vez em 2015, aos 52 anos, como representante (deputado) de Holborn e St. Pancras, um distrito de profissionais liberais no centro de Londres, onde vive há anos com a família. É vegetariano e torcedor fanático do Arsenal, sendo facilmente encontrado nas arquibancadas do Emirates Stadium.
“Ele não é carismático, mas é coerente, competente, sensato e se apresenta bem. Considerando o tipo de líderes que o Reino Unido teve recentemente, com populistas como Boris Johnson, há um desejo por um tipo diferente de liderança”, avalia Mujtaba Rahman, diretor-geral de análise da Eurasia na Europa.