A vice-presidente dos Estados Unidos e candidata do Partido Democrata à Casa Branca, Kamala Harris, reforçou suas tentativas de apelar ao eleitorado mais à direita ao participar nesta quarta-feira (16) de uma entrevista combativa e arriscada na rede conservadora Fox News, principal emissária do trumpismo na televisão.
Durante toda a conversa, o jornalista Bret Baier, sem disfarçar a parcialidade, tentou reforçar questões eleitorais levantadas pela campanha de Donald Trump —como quando citou nominalmente e exibiu fotos de três mulheres vítimas de homicídios cometidos por imigrantes em situação irregular, casos frequentemente mencionados pela equipe do republicano, e perguntou se Kamala achava que deveria pedir desculpas às famílias.
A democrata chamou os casos de trágicos e disse que eles não deveriam ter ocorrido. Mas atacou Trump por agir nos bastidores para derrubar uma lei apresentada por Joe Biden que teria endurecido as regras de imigração. “Ele preferiu fazer campanha com o problema em vez de consertá-lo”, afirmou, repetindo uma formulação que já usou no passado.
Ao longo da entrevista, Baier interrompeu a transmissão para exibir vídeos de Kamala tropeçando nas palavras ou dando declarações mais à esquerda (sobre direitos de pessoas trans, por exemplo). Em outras ocasiões, exibiu anúncios de campanha de Trump e recortes de programas da própria Fox News em que o candidato se defende de acusações recentes. O segundo caso aconteceu quando Kamala criticava o ex-presidente por suas falas prometendo usar as Forças Armadas dos EUA contra um “inimigo interno”.
“Pedimos que Trump esclarecesse o que quis dizer”, interrompeu Baier assim que a democrata tocou no assunto —no momento seguinte, a transmissão exibiu um trecho de uma fala de Trump dizendo que quem persegue adversários políticos são os democratas, repetindo a narrativa de que suas condenações na Justiça são fruto de perseguição política.
Quando a imagem voltou ao estúdio, a vice-presidente aparentou irritação e levantou o tom de voz. “Com todo respeito, não foi isso que ele disse. Não é isso que ele vem dizendo. Trump vem falando em prender pessoas que discordam dele. Isso não é democracia. Várias pessoas que trabalharam com ele dizem: Trump é um perigo para os EUA”, afirmou, citando ex-funcionários do republicano que agora a apoiam.
Em outro ponto da entrevista, Baier pressionou Kamala com uma pergunta que parecia ter sido feita para servir de casca de banana para a democrata. “Se o presidente Trump é tudo isso que você diz que é, por que então metade dos americanos o apoiam? Eles são idiotas?”, ao que Kamala imediatamente respondeu: “Jamais diria isso do povo americano. Quem diminui os eleitores é meu adversário.”
Em uma conversa monopolizada pelos temas mais vulneráveis da campanha de Kamala —imigração e economia—, a democrata passou muito tempo na defensiva, mas também atacou Trump, principalmente ao falar da ameaça que ele representaria à democracia.
Não houve nenhuma pergunta sobre assuntos que costumam ser mencionados pelo eleitor em pesquisas como temas relevantes, mas nos quais os democratas têm vantagem, como aborto ou a tentativa de Trump de reverter os resultados da eleição de 2020.
A participação de Kamala na Fox News, emissora abertamente alinhada a Trump e ao Partido Republicano, é um marco não só na estratégia da democrata de falar em canais fora da mídia tradicional (ela esteve em podcasts e no canal em língua espanhola Univision), mas também indica mais um aceno a eleitores de direita, principal público da Fox.
A candidata tem feito uma série de pronunciamentos para se aproximar dessa fatia do eleitorado: em entrevista ao programa 60 Minutes, da NBC, repetiu a informação de que tem uma arma em casa e ainda acrescentou detalhes —trata-se de uma pistola Glock e sim, ela já a utilizou.
Kamala vem dizendo ainda que pretende incluir um membro do Partido Republicano no seu gabinete se eleita, uma decisão que aliados chamaram de inteligente e de “uma tradição conhecida ” —Barack Obama e Bill CIinton tiveram Secretários da Defesa republicanos.
A estratégia de se aproximar do eleitor de direita vem gerando críticas por parte da esquerda americana, que aponta o risco de a base democrata abandonar a vice-presidente nas urnas se isso continuar —nos EUA, onde o voto não é obrigatório, a abstenção pode afundar uma candidatura.
Em conversa nesta terça-feira (15) com Charlamagne tha God, um dos principais radialistas negros do país e cuja audiência de homens negros Kamala espera atingir na reta final da campanha, a democrata foi pressionada a identificar Trump como um fascista.
“A escolha nessa eleição é sobre duas visões muito diferentes de país”, disse a vice-presidente, ao que o radialista respondeu: “o outro lado é fascista. Por que não podemos dizer isso?”. Kamala concordou: “sim, podemos dizer isso”.