Kamala Harris tem uma ideia muito diferente da de Joe Biden sobre o que é esta eleição.
Em 2020, e depois novamente em 2024, Biden proclamou Donald Trump o vencedor da batalha pela atenção. Fosse por estratégia ou em razão de suas próprias limitações, o democrata adotou um estilo de campanha discreto, deixando Trump dominar o ciclo de notícias, dia após dia.
Trump queria que a eleição fosse sobre Donald Trump, e Joe Biden também queria que a eleição fosse sobre Donald Trump. Nesse ponto, ambos concordavam.
Em 2020, quando Trump era o presidente impopular, essa estratégia funcionou para Biden. Mas em 2024, quando Biden era o presidente impopular, essa estratégia estava falhando.
Em parte, porque faltava ao democrata as habilidades de comunicação necessárias para destacar as vilanias e pecados de Trump. Além disso, alguns eleitores sentiam nostalgia da economia no governo do republicano. Por fim, a idade de Biden e seus tropeços mantinham a atenção nele e em sua potencial aptidão para o cargo, em vez de mantê-la em Trump e na potencial aptidão de Trump para o cargo.
Então veio o debate, e a decisão de Biden de desistir da candidatura, e a ascensão de Kamala como candidata democrata. Kamala foi capaz de fazer o que Biden não pôde ou não quis: lutar (e vencer) a batalha pela atenção.
Ela teve ajuda, não há dúvidas. Criadores de memes online descobriram ouro em uma anedota dela sobre cocos antiga. Houve ainda a proclamação, por parte da cantora britânica Charli XCX, de que Kamala “É brat” —”Brat” é o nome do disco mais novo da artista, que virou febre no verão do Hemisfério Norte e inspirou tendências nas redes com sua capa verde limão.
Mas muito desse movimento se devem à estratégia e ao talento da própria Kamala, que lida com a câmera como nenhum político desde Barack Obama. E embora a sua equipe seja basicamente composta por membros da equipe de Biden, o tom da equipe mudou.
O tom grave dos comunicados de Biden desapareceu. As mensagens de Kamala são brincalhonas, sarcásticas, confiantes, cruéis até. Trump é “velho e frágil”. Seu candidato a vice, J.D. Vance, é esquisito.
Sua campanha quer guiar as conversas e sabe como fazer isso. Está tentando fazer algo que os democratas trataram como algo menor por anos —vencer os ciclos de notícias.
A estratégia de comunicação de Biden foi projetada para fazer Trump parecer maior. A estratégia de Kamala é fazê-lo parecer menor.
“Esses caras são esquisitos”, disse o candidato a vice de Kamala, Tim Walz, no programa Morning Joe, e a frase pegou. Walz inverteu a forma como os democratas falavam sobre o republicano. Não faça um homem forte parecer mais forte. Faça-o parecer mais fraco.
O argumento de Biden era que Trump poderia acabar com a democracia americana. O argumento de Walz é que Trump poderia arruinar o Dia de Ação de Graças.
Nem todas as eleições são decididas por seus ambientes midiáticos. Mas naquelas em que isso acontece, o candidato que vence muitas vezes é o que melhor entende como o foco de atenção está mudando.
Franklin Roosevelt entendia de rádio de um jeito que Herbert Hoover não entendia. John F. Kennedy entendia de televisão de um jeito que Richard Nixon não entendia. Obama surfou na onda inicial das redes sociais. E Trump dominou a era algorítmica dessas mesmas plataformas, onde indignação e controvérsia se transformam em engajamento.
As plataformas mudaram novamente, seguindo a dominação do TikTok, e agora memes e vídeos editados e remixados dominam.
Biden estava à deriva nesse meio. Sua idade e seus instintos faziam com que ele não tivesse o timing do que hoje reverbera nas redes sociais. Biden estava sendo tão maltratado no TikTok que eu frequentemente ouvia democratas se perguntando se os donos da plataforma chinesa estavam manipulando o algoritmo contra ele.
Não vejo mais os democratas se preocupando com isso. Por razões muito diferentes, ambos Kamala e Walz têm grande potencial para virar memes. E a campanha decidiu se aproveitar disso, que quer ser editada e remixada. Depois que Charli XCX chamou Kamala de “brat”, a equipe da vice-presidente reformulou sua imagem de capa das redes sociais para emular a estética do disco da cantora.
Walz, em seu primeiro discurso como companheiro de chapa de Kamala, fez uma alusão aos memes (sim, infundados) sobre a afeição de Vance por sofás. Foi um sinal claro dos instintos dessa chapa, uma saudação ao exército de internautas da campanha.
Isso pode ir longe demais —e frequentemente vai. É fácil para movimentos políticos com energia caótica online confundir o que funciona na seção de comentários com o que funciona no eleitorado.
Esta é a origem da estranheza que Vance causa. Ele é um produto das subculturas virtuais Maga que Trump inspirou, mas que ele próprio não entende ou reflete por completo. Vance supostamente foi empurrado para a campanha de Trump pelo filho do ex-presidente, Donald Trump Jr., e por Steve Bannon, Tucker Carlson e Elon Musk —os apoiadores do republicano que mais passam tempo online.
O papo torto de Vance sobre punir as pessoas que não têm filhos e tirar os EUA das mãos das “velhinhas dos gatos” é comum nesses círculos, mas repele as pessoas em qualquer lugar fora deles.
Até agora, Kamala e Walz têm sido disciplinados. A energia da esquerda em 2020, na qual havia pressão para exibições de pureza cada vez mais autodestrutivas, deu lugar a uma mensagem implacável.
“Kamala é uma policial” tornou-se um insulto em 2020. “Kamala é uma policial” está mais próximo de um slogan em 2024.
Há pouca pressão para que Kamala vá para a esquerda e fácil aceitação de seus movimentos em direção ao centro. Em questão de dias, ela voltou atrás em posições como o apoio à proibição do “fracking”, técnica de extração do óleo a partir do xisto.
Uma de suas primeiras propagandas a descreve como “uma promotora atuando em um estado na fronteira” foca os traficantes de pessoas que ela prendeu e nos milhares de agentes aduaneiros que ela prometeu contratar.
O resultado é que Trump está sendo privado do recurso que mais deseja: atenção. Como costuma acontecer quando perde o controle das manchetes, ele elabora a cada dia argumentos mais lunáticos e autodestrutivos —que “ninguém sabia” que Kamala era negra, que suas multidões ultrapassam 100 mil pessoas, que Biden mudou de ideia e quer retirar o apoio a Kamala.
Cada vez mais desesperado, ele concordou com o debate da ABC News do qual havia desistido de participar e ainda propôs debates na Fox News e na NBC.
Dois meses atrás, Trump controlava o foco das atenções. Agora, ele está lutando para conseguir ser ouvido.