Em sua declaração financeira mais recente, o juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Samuel Alito reportou um único presente: ingressos para um show no valor de US$ 900 (cerca de R$ 5 mil) de uma princesa alemã conhecida por suas ligações com ativistas de direita.
A declaração não fornece detalhes do evento, incluindo o nome do show, localização ou quantos ingressos a princesa forneceu. Mas em uma entrevista com um veículo de imprensa alemão, a autora do presente, a Princesa Gloria von Thurn und Taxis, descreveu Alito e sua esposa como “amigos particulares” e disse que os ingressos eram para o Festival do Castelo de Regensburg, uma celebração anual de verão organizada por ela em seu castelo de 500 quartos na Baviera.
A princesa, conhecida no passado como uma aristocrata baladeira e colecionadora de arte e que já foi apelidada de “Princesa TNT” por sua personalidade explosiva, tornou-se conhecida nos últimos anos por seus relacionamentos próximos com vários católicos que se opõem ao Papa Francisco, bem como com Steve Bannon, aliado de longa data do ex-presidente dos EUA Donald Trump.
A declaração aumentou a discussão sobre ética na Suprema Corte, que esteve em destaque após revelações de que alguns de seus membros, especialmente o juiz Clarence Thomas, aceitaram presentes de luxo e viagens de benfeitores ricos sem divulgar a generosidade em suas declarações financeiras obrigatórias.
“Não importa a identidade do benfeitor, seja uma princesa alemã, Beyoncé ou o rei do mercado imobiliário de Dallas, os juízes não devem aceitar presentes caros”, diz Gabe Roth, que lidera o Fix the Court, uma organização crítica à transparência na corte, em resposta à divulgação de Alito.
Não foram listadas datas para o show no último formulário de Alito, que inclui divulgações para 2023, e ele não informou o número de ingressos nem forneceu informações sobre hospedagem ou transporte. O palácio da princesa, local do festival, foi cogitado como o potencial campus para uma rede europeia de escolas de etiqueta para conservadores de extrema direita, de acordo Steve Bannon.
A princesa é próxima do Cardeal Raymond Burke, líder americano da facção católica que se opõe ao Papa Francisco. Ela também foi responsável pela aproximação de Gerhard Ludwig Müller, um cardeal alemão que Francisco demitiu de seu cargo como principal guardião doutrinário da igreja, e Bannon, que construiu relacionamentos com partidos políticos de extrema direita na Alemanha e na França.
Bannon se encontrou com líderes do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha e falou sobre seus planos de criar uma “escola de gladiadores” para treinar católicos contrários a Francisco.
Bannon não pôde ser contatado para responder à reportagem. Ele está cumprindo uma sentença de quatro meses de prisão por desacato ao Congresso por desafiar uma intimação na investigação sobre o ataque ao Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021.
A princesa também causou polêmica no passado em questões de raça. Em 2001, a imprensa relatou que ela disse que a alta taxa de AIDS na África era porque “os negros gostam de copular muito”. Mais tarde, ela tentou corrigir seu comentário e disse que a razão era o intenso calor do continente.
Uma entrevista de 2008 a descreveu como uma católica fervorosa que “não poderia parecer mais diferente do monstro midiático que surgiu no início dos anos 80 como a noiva rebelde do bilionário bissexual Príncipe Johannes von Thurn und Taxis”.
A princesa disse a um entrevistador que se dedicou às suas crenças religiosas após a morte de seu marido em 1990, quando teve que criar três filhos e sair de dívidas e impostos sobre herança estimados em mais de US$ 350 milhões.
Desde então, ela se tornou conhecida por organizar encontros católicos conservadores e concertos litúrgicos em Roma, onde também possui um palácio.
Ela também viajou para Lourdes, no sul da França, como voluntária através da Ordem de Malta, e publicou um livro de conversas com o Cardeal Joachim Meisner, conhecido por suas opiniões conservadoras contundentes, incluindo tentativas de proibir o aborto na Alemanha, antes de sua morte em 2017.
Suas declarações e visões religiosas têm criado controvérsias, como em 2019, quando El Museo del Barrio, no bairro de Harlem, na cidade de Nova York, o museu mais antigo dos Estados Unidos focado em arte latina, retirou sua decisão de homenageá-la em seu 50º aniversário.
A princesa disse em um e-mail na época que estava “desapontada com o grau em que a sociedade está dividida hoje e que parece não haver absolutamente nenhum espaço para tolerância alguma”.
Mais tarde naquele ano, em outubro, a princesa se encontrou na Suprema Corte com Alito, juntamente com o Juiz Brett Kavanaugh, Müller e Brian S. Brown, um ativista anti-LGBTQIA+, de acordo com uma foto e postagem no site da Organização Internacional para a Família.
Brown é listado como presidente do grupo, que diz ter como missão “unir e equipar líderes, organizações e famílias para afirmar, celebrar e defender a família natural como a única unidade fundamental e sustentável da sociedade”.