Sem causar surpresas, já que seu nome foi o antecipado em todas as pesquisas de intenção de voto, o ex-ministro da Segurança José Raúl Mulino, 64, largou na frente durante a apuração das eleições para a Presidência do Panamá na noite deste domingo (5).
Com 37,7% dos votos apurados às 19h do horário local (21h em Brasília), o direitista tinha 33,8% dos votos. Como não há segundo turno no país, elege-se presidente aquele que obtiver maioria neste pleito, mesmo que a cifra gire em torno de um terço dos eleitores.
Foi um caso nunca antes visto no país de completa transferência de capital político: Mulino era candidato a vice na chapa do ex-presidente Ricardo Martinelli, uma figura muito popular. Condenado em um caso de corrupção já no desenrolar da campanha eleitoral, o ex-líder foi inabilitado, refugiou-se na embaixada da Nicarágua alegando ser um perseguido político e relegou a Mulino a tarefa de vencer nas urnas.
Logo após Mulino, a apuração mostra o advogado de centro-direita e ex-cônsul em Washington Ricardo Lombana, com 24,55%, e depois o ex-presidente Martín Torrijos, este com 15,8%.
Um conjunto de fatores fez destas, as sétimas eleições desde a volta da democracia, as principais da história recente. Além de presidente, os panamenhos elegeram mais de outros 800 cargos, sendo 20 para o Parlamento Centro-americano e 71 para a Assembleia Nacional.
Eram oito os candidatos à Presidência neste sistema eleitoral que se fragmentou nos últimos anos. O analista Juan Diego Alvarado diz que nenhum dos candidatos apresentava grandes diferenças ideológicas. “O que eles tentaram fazer foi vender uma ideia de competência para resolver os problemas, principalmente econômicos”, afirma.
O Panamá vive um período peculiar de sua história recente. Fruto do Canal do Panamá, por onde passam 3% de todo o comércio marítimo global, o país da América Central assistiu a um período de bonança econômica desde sua redemocratização na virada dos anos 1990.
Foram anos nos quais, entre vaivéns, o crescimento do PIB chegou a 11,3%, como em 2011. Mas no último ano a pujança da economia panamenha apresentou desafios que chamaram a atenção.
Uma seca histórica no Canal do Panamá diminuiu a circulação das mercadorias, e o fechamento da maior mina do país após massivos protestos ambientais nas ruas levou a projeções de que o PIB encolherá ao menos 2,5% neste 2024. A dívida pública cresceu, e a expectativa de investimento externo no Panamá diminuiu.
Sendo assim, há muitos nas classes econômica, política e social que querem retomar a época em que este pequeno país de pouco mais de 4 milhões de habitantes foi descrito como uma espécie de “tigre centro-americano”, referência ao sucesso dos tigres asiáticos.
No período em que governou Ricardo Martinelli (2009-2014), chamado por seus adoradores de “el loco” (o louco), e no mais um político que é personalista e conservador, a economia acumulou altas consecutivas.
Diretamente da embaixada da Nicarágua, ele fez campanha política cotidianamente nas redes sociais, com fotos e vídeos produzidos na residência que pertence à ditadura de Daniel Ortega. Recebeu visitas, deu entrevistas e moveu sua base de apoiadores.
Ainda que a corrupção sempre apareça como a maior preocupação dos panamenhos e que Martinelli tenha sido condenado a quase 11 anos de prisão por um caso de lavagem de dinheiro, desde o início da corrida eleitoral, quando ele ainda estava apto a concorrer, era seu nome o que triunfava em diferentes pesquisas eleitorais.
Também José Raúl Mulino já esteve envolvido em um caso de corrupção. Ele chegou a ser preso por seis meses no decorrer das investigações sobre a compra irregular de radares de uma empresa ligada à italiana Finmeccanica, mas o caso foi encerrado em 2017.
A viabilidade da candidatura de Mulino chegou a ser questionada na Justiça, num movimento que abriu um temor de incertezas políticas, mas poucos dias antes da votação, ele recebeu o aval para seguir no processo. Ainda assim, os analistas não descartam a possibilidade de instabilidade política e, quiçá, protestos em algum grau de similaridade com os que lotaram as ruas em 2023 contra a mineração.
O analista Juan Diego Alvarado menciona dois fatores que podem mobilizar o país. Um é a crise no sistema de aposentadorias, que passa por falta de financiamento e receio de quebra. “É um dos grandes temas nacionais que terá de ser abordado, e não os vejo tomando uma posição de Estado de bem estar social, mas de perfil neoliberal.”
Outro é o debate sobre o espaço da mineração no país. “E muitos dos candidatos são pró-atividade mineira.”
Ainda que um tema marginalizado no decorrer desta campanha, outro assunto que estará nas mãos do próximo presidente e receberá grande atenção da comunidade internacional em razão das consequências que tem para as Américas: a crise migratória no estreito de Darién.
A perigosa selva que separa o país da Colômbia se tornou uma espécie de rota migratória mortal por onde apenas em 2023 passaram mais de 2023 mil imigrantes, a maioria venezuelana.
Mulino prometeu fechar a passagem, ainda que esta seja uma proposta irreal devido ao que impõe a realidade: a entrada desses imigrantes na floresta é controlada pelo narcotráfico da Colômbia, que lucra milhões de dólares com isso todos os anos.
É preciso ter em conta o histórico de Mulino com Darién: foi na época que o agora provável presidente era ministro da Segurança (também no governo Martinelli) que as forças de segurança lograram acabar com a presença das Farc colombiana no trecho panamenho da selva.
Ao longo de sua breve campanha para a Presidência, ele lembrou desse fato para propagandear que é alguém que entende a realidade dessa porção no extremo leste do país.
Como o alto fluxo migratório também tem apresentado um impacto expressivo para o meio ambiente, Mulino diz querer apostar na preservação florestal de Darién, originalmente um parque de conservação ambiental, e afirma que os imigrantes são “um perigo à segurança nacional”.