O bom jornalista, por definição, deve ser isento no cumprimento de sua profissão.
Em qualquer área de atuação no jornalismo, a imparcialidade é essencial para o julgamento correto dos fatos, sem inclinações ou distorções dos mesmos. Se não for assim, vira militância.
No esporte, isso nem sempre acontece. Há os profissionais –questiono se eles podem ser qualificados assim– que se tornam torcedores. Deixam a paixão emanar, perdem a necessária noção de neutralidade, tornam-se fanáticos.
O exemplo mais recente está na Copa Africana de Nações (CAN), na qual tem imperado a falta de compostura de parte dos repórteres que acompanham a principal competição entre seleções desse continente, em andamento na Costa do Marfim.
Conforme relatos de meios de comunicação (ESPN, Associated Press e Africanews entre eles), jornalistas credenciados têm dado antiexemplos jogo a jogo.
Muitos deles vão às partidas vestindo a camisa da seleção de seu país e abertamente apoiam, com gritos, os jogadores, além de ofender os adversários. Isso não sem, antes de o jogo começar, afrontar dirigentes da equipe rival com os quais cruzam nos corredores do estádio.
Tem mais: se sai um gol a favor, pulam e berram, agindo como se estivessem na arquibancada e não na área reservada à mídia. Irritante.
Há como ir além: alguns entram em discussões verbais com os colegas que, situados bem próximos, torcem para o outro lado. Provocações, ironias, xingamentos, um “vale tudo” digno de confrontação com o pior inimigo. Intolerável.
Não para aí: um repórter marfinense foi filmado dançando na tribuna de imprensa sem camisa e com as pernas de fora, crachá pendurado no pescoço, após a vitória do time da casa sobre o Senegal na disputa de pênaltis, nas oitavas de final. Vergonhoso.
Tem o outro lado do jornalista torcedor também. É aquele que se revolta quando a seleção do seu país perde e confronta rispidamente sua própria seleção.
Aconteceu no caso de Gana, eliminada da CAN depois do empate com Moçambique.
Na zona mista –área em que os atletas passam e, caso queiram, falam com a mídia–, repórteres ganenses vaiaram os jogadores e agiram de forma rude com o treinador inglês Chris Hughton, chamado de estúpido. Repulsivo.
Situação similar, de comportamento agressivo de jornalistas torcedores, ocorreu com a seleção da Costa do Marfim quando levou de 4 a 0 da Guiné Equatorial, resultado que por pouco não eliminou os anfitriões. Inadmissível.
Devido a essas ocorrências, a Associação Internacional de Imprensa Esportiva, fundada em 1924 e sediada na Suíça, que tem como uma de suas premissas “fortalecer a amizade e a solidariedade entre jornalistas esportivos de todos os países”, emitiu um duro comunicado.
“Entre batalhas campais, ataques e injúrias, é um espetáculo angustiante que alguns colegas têm apresentado ao mundo desde o início da CAN”, disse a associação, citando atitudes consideradas deploráveis. “Os espaços de trabalho de mídia [zona mista, sala de entrevistas] foram transformados em ringue de boxe, ou mesmo em pista de dança.”
“Ser jornalista significa comportar-se adequadamente e, acima de tudo, agir com moderação. Certos comportamentos são simplesmente indignos de uma profissão tão nobre como o jornalismo”, concluiu a entidade de imprensa.
Em meio a um cenário caótico, a Confederação Africana de Futebol (CAF) decidiu tomar providências, em tom de ameaça, para tentar que a reta final da CAN seja digna por parte de todos os jornalistas.
“Qualquer profissional da mídia que se envolva em celebrações selvagens e destrate colegas de mídia será imediatamente removido pela segurança e seu credenciamento será cancelado”, disse em nota, acrescentando que a norma vale para “qualquer representante da mídia envolvido em brigas” nos estádios.
A CAF também afirmou que linguagem vulgar dirigida a treinadores ou jogadores não será tolerada, perdendo o repórter a sua credencial.
Com os jornalistas torcedores contidos ou não, a Copa africana prossegue e já tem dois semifinalistas definidos, a Nigéria e a República Democrática do Congo.
Os outros dois saem dos duelos deste sábado (3): Costa do Marfim x Mali e África do Sul x Cabo Verde.
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