Em um prédio municipal no coração da cidade italiana de Bolzano, Stefano Baldo saiu mais cedo do trabalho para seu intervalo de amamentação.
“Está claro que eu não amamento”, disse Baldo, um administrador de transporte de 38 anos, em seu escritório decorado com fotos de sua esposa e seis filhos. Mas com sua mulher em casa com um recém-nascido, um dos pais tinha direito por lei a esse tempo, e ele precisava buscar as crianças. “É muito conveniente.”
Famílias grandes se tornaram cada vez mais raras na Itália, país cuja taxa de natalidade é das mais baixas da Europa. Por conta do índice, a primeira-ministra, Giorgia Meloni, assim como o papa Francisco, alertaram que os italianos estão em perigo de desaparecer.
A região do Trentino-Alto Ádige e sua capital, Bolzano, no entanot, desafiam a tendência e emergem como um universo paralelo de procriação para a Itália, com sua taxa de natalidade se mantendo estável ao longo das décadas.
A razão para isso isso, dizem especialistas, é que o governo provincial desenvolveu ao longo do tempo uma ampla rede de benefícios voltados à família, indo muito além dos bônus únicos para bebês que o governo nacional oferece.
Os pais desfrutam de descontos em creches, produtos para bebês, mantimentos, cuidados de saúde, contas de energia, transporte, atividades extracurriculares e acampamentos de verão. A província complementa os bônus financeiros nacionais com centenas de euros a mais por criança e ostenta programas de cuidados infantis.
Essas medidas ajudam a liberar as mulheres para trabalhar, o que é vital para a economia. Uma política de oferecer serviços de creche acessíveis tem o poder de afastar a Itália do precipício demográfico iminente à medida que a taxa de natalidade cai.
“Se não investirmos dinheiro nas famílias, não há futuro para nenhum de nós”, diz Waltraud Deeg, ex-membro do conselho da província e arquiteta de algumas de suas políticas familiares. “A família é um projeto de longo prazo, então as políticas também precisam ser planejadas.”
Essa abordagem não apenas distingue a área ao redor de Bolzano, mas se destaca na Itália de outras maneiras importantes que podem tornar seu exemplo difícil de replicar para o resto do país.
Durante boa parte de sua história, a região do Trentino Alto-Ádige pertenceu aos diversos impérios da Áustria, que chamavam o local de Tirol do Sul até que a Itália anexou a área no início do século passado.
A região mantém certa independência sobre suas questões financeiras e fiscais, e culturalmente, pode parecer outro mundo, mais austríaco do que o resto da Itália. A maioria das pessoas ainda fala alemão e é mais provável que prefira um bolinho de pão tradicional do que uma tigela de massa italiana.
A região também tem a maior renda per capita do país, de acordo com o Istat, Instituto Nacional de Estatística da Itália.
Fora de seu escritório, Baldo passou por uma coroa azul marcando a chegada do primeiro neto de um colega e saiu do prédio através de um saguão cheio de panfletos anunciando mochilas “Bem-vindo Bebê” cheios de dicas para novos pais e livros ilustrados.
Ele subiu em sua motoneta e chegou à creche para buscar seus filhos de quatro e cinco anos. “Ah, você quer os dois?”, brincou a professora da pré-escola. “Mas deixe-me esconder um debaixo do meu avental.”
Os meninos colocaram suas mochilas “Bem-vindo Bebê” fornecidas pela cidade e atravessaram a rua com o pai para buscar o irmãozinho em outra creche para crianças mais novas. Os quatro então atravessaram de novo a rua até seu apartamento, onde a esposa de Baldo, Tiziana Balzamá, 39, os cumprimentou com um bebê nos braços.
Especialistas dizem que os compromissos financeiros contínuos e confiáveis da província com as famílias importam mais do que os bônus para bebês de curto prazo que os instáveis governos nacionais da Itália têm fornecido por décadas.
“A diferença é que há um investimento constante, ao longo dos anos, ao contrário da maioria das políticas nacionais que são pontuais”, disse Agnese Vitali, demógrafa da Universidade de Trento. “Ninguém planeja ter filhos com base em políticas pontuais.”
A família Baldo disse que o apoio provincial significava tudo para eles. Enquanto um bolo assava no forno, Ruben, 2, tocava uma música infantil, enquanto seus irmãos Beniamino, 5, e Gioele, 4, exibiam os legumes de plástico em sua cozinha de brinquedo. Seus pais sentaram ao lado de uma caixa registradora de brinquedo e explicaram que, como todos os pais na província, eles recebiam € 200 por mês para cada um de seus seis filhos até eles completarem três anos.
Isso somado ao cheque mensal de € 1.900 (cerca de R$ 10.350) que recebiam do governo nacional por seus filhos.
Seu cartão Família +, disponível para todas as famílias com três ou mais filhos, dá 20% de desconto em muitos mercados pela cidade e estava vinculado ao supermercado local Despar para descontos adicionais. Tiziana diz que também aproveitava as vantagens no transporte público.
Quando os subsídios familiares começaram nos anos 1980, a província também importou a ideia da Tagesmutter, ou sistema de creche com babá, da Alemanha Oriental. Os italianos chamam isso de Casa Bimbo. No sistema, a província certifica, registra e apoia professores locais que transformam suas casas em creches. É especialmente popular em áreas rurais.
Tiziana, que trabalhou em salas de aula ao redor da província antes do nascimento de seu primeiro filho, disse que havia pesquisado um curso de um ano para se tornar uma Tagesmutter, mas concluiu que, por enquanto, fazia mais sentido financeiro ficar em casa. “Foi minha escolha dizer que vou esperar para voltar ao trabalho”, diz ela.
Para as mães que desejam voltar ao trabalho —como sua irmã, uma enfermeira, com quatro filhos— Tiziana afirma que a província também oferecia escolas públicas e creche baratas.
Alguns especialistas dizem que a atitude da província em relação aos benefícios familiares está enraizada no desejo de uma cultura minoritária em uma área historicamente disputada de manter viva uma identidade forte, o que encoraja as pessoas a terem mais filhos. Esse fator cultural torna-se mais claro quando olhamos para além da fronteira com Trentino, a outra parte —e mais culturalmente italiana— da região ampliada.
Trentino também investe pesadamente em creches —uma estratégia que antecede e, em alguns casos, supera seu vizinho. No entanto, sua taxa de natalidade despencou para 1,36 crianças por mulher, muito menor do que a de Trentino-Alto Ádige e muito mais próxima da desanimadora média nacional.
“A cultura local também desempenha um papel importante”, diz Alessandro Rosina, um demógrafo italiano proeminente. “E isso é difícil de exportar.”
Baldo, que não fala alemão, afirma que é tão italiano quanto qualquer um. Ele conta que sua fé católica e seu afeto pelo caos das famílias grandes —sua esposa é de uma de oito filhos— motivaram o casal a ter filhos, uma decisão possibilitada pelas políticas provinciais.
Às 16h, Baldo correu para buscar seus outros dois filhos na escola em sua van branca. Ele disse que havia encomendado uma nova, com nove lugares, e que qualquer coisa maior exigiria uma licença especial.
Ele acenou para os aposentados voluntários com coletes verdes fluorescentes que compunham o que a província chama de “guardas de trânsito avós”. Além de atuarem como guardas de trânsito para pessoas atravessarem a rua, explica, eles também levam as crianças para a escola de manhã em um programa chamado “ônibus a pé”.
Os meninos mais velhos de Baldo —Raffaele, 10, e Elia, 8— entraram na van, e todos foram para casa. A avó Renata Canali, 71, passou por lá.
“Ciao, ciao, ciao”, disse ela ao bebê, Giona, de seis meses. “Ele é tão bonito quanto o sol.” Alguns dos meninos desenhavam ou dançavam, enquanto os outros se preparavam para o jantar, banhos ou treinavam futebol.
“Muitos de nossos amigos têm um ou dois filhos porque querem viver suas vidas. Mas aqui, se quisessem, teriam ajuda”, disse Tiziana. “Temos um amigo em Roma que tem quatro filhos. Eles pagam uma fortuna por ajuda.”