A Missão Internacional Independente de Apuração de Fatos sobre o Irã apresentou nesta segunda-feira ao Conselho de Direitos Humanos da ONU indícios de “crimes contra a humanidade” cometidos na repressão aos protestos que começaram no país em setembro de 2022.
A investigação concluiu também que a morte de Jina Mahsa Amini, a mulher iraniano-curda de 22 anos detida pela “polícia da moralidade”, foi “ilegal e causada por violência física sob custódia das autoridades do Estado”.
“Repressão continua até hoje”
O episódio desencadeou protestos em todo o país, que se transformaram no que é conhecido como o movimento “Mulher, Vida, Liberdade”.
Segundo o relatório, as jovens e meninas em idade escolar estiveram na linha da frente, com muitas delas a retirando o hijab, véu que cobre as mulheres muçulmanas, em locais públicos como um ato de desafio contra leis e práticas discriminatórias.
Em resposta, todo o aparelho de Estado foi utilizado para “suprimir as crescentes exigências de direitos humanos básicos e fundamentais”. Por isso, em novembro de 2022, o Conselho de Direitos Humanos criou a Missão para investigar “supostas violações dos direitos humanos no Irã, relacionadas com os protestos iniciados em 16 de setembro de 2022, especialmente no que diz respeito a mulheres e crianças”.
Ao apresentar o relatório nesta segunda-feira em Genebra, a presidente da Missão Internacional, Sara Hossain, afirmou que “a repressão no Irã continua enquanto a atenção do mundo se volta para outro lado”.
Imposição do hijab
Ela também ressaltou que o órgão tem recebido relatos assustadores sobre a utilização pelo Estado de inteligência artificial, inclusive através de novos aplicativos móveis, para monitorizar e impor a mulheres e meninas as regras obrigatórias do hijab.
Hossain disse que é “difícil compreender” que, no Século 21, o acesso das mulheres aos serviços e oportunidades mais básicos, como escolas, universidades, hospitais e tribunais, ou a oportunidades de emprego, “deve estar sujeito a uma decisão totalmente arbitrária: a exigência de uso obrigatório do hijab”.
Os investigadores independentes apontam que durante os protestos em 2022, as forças de segurança utilizaram armas de fogo, incluindo fuzis do tipo AK 47, matando muitas pessoas nos primeiros dias.
De acordo com a investigação, o uso desta força “desnecessária e desproporcional” em protestos, em grande parte pacíficos, resultou em assassinatos ilegais e ferimentos de manifestantes, resultando em números credíveis de 551 mortes, entre as quais pelo menos 49 mulheres e 68 crianças, em 26 das 31 províncias do Irã.
“Ataque generalizado e sistemático contra mulheres e meninas”
O grupo de peritos encontrou um padrão de atuação das forças de segurança que apontavam as armas de fogo para partes vitais do corpo dos manifestantes e transeuntes, incluindo os seus rostos, cabeças, pescoços, torsos e áreas genitais.
As vítimas com vários projéteis no corpo também permaneceram sem acesso a cuidados médicos, às vezes durante meses após a lesão, e algumas continuaram a receber ameaças quando falaram sobre os seus ferimentos. Uma manifestante, que ficou cega de um olho, foi informada pelas forças de segurança que eles iriam “caçá-la e ir atrás do outro olho”.
A missão concluiu que as autoridades estatais no Irã foram responsáveis por violações flagrantes dos direitos humanos relacionadas com os protestos. Estas incluem mortes ilegais, execuções extrajudiciais, uso desnecessário e desproporcional da força, detenções arbitrárias, tortura, violação e violência sexual, desaparecimentos forçados e perseguição de gênero.
Estes atos, segundo os investigadores, foram conduzidos no contexto de um “ataque generalizado e sistemático contra mulheres e meninas”, e outras pessoas que expressam apoio aos direitos humanos.
A presidente da missão afirmou que algumas destas graves violações dos direitos humanos “ascenderam ao nível de crimes contra a humanidade”, incluindo perseguição de gênero, em conjunção com a etnicidade e religião.
Desafios para realizar a investigação
A missão tentou interagir com o governo do país, mas este não concedeu acesso, não respondeu a convites para reuniões nem às 21 cartas de inquérito, enviadas até janeiro de 2024.
Sara Hossain citou ainda “as contínuas e extensas restrições do Governo do Irã nas comunicações online, incluindo a vigilância, o assédio e a intimidação das vítimas e das suas famílias, inibindo as pessoas de se manifestarem por medo de represálias”.
Apesar destes desafios, a missão conseguiu recolher e preservar mais de 27 mil elementos de prova. No total, foram conduzidas 134 entrevistas aprofundadas com vítimas e testemunhas, incluindo 49 mulheres e 85 homens, dentro e fora do país. Além disso, foram reunidas provas e análises de especialistas em medicina forense digital e médica, e em direito nacional e internacional, entre outros.
Reação do Irã
Em resposta, o vice representante permanente do Irã na ONU, Mehdi Aliabadi, acusou a missão de peritos de não “refletir o progresso constante do Irã na promoção e proteção dos direitos humanos, bem como os desafios que superou “.
Ao se dirigir aos membros do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas ele afirmou que o relatório é “distorcido” e faz parte de “uma campanha orquestrada contra seu país”.