A guerra na Ucrânia só vai terminar quando houver uma mudança de mentalidade na Rússia; os países ocidentais nunca pensaram em um plano concreto para a vitória de Kiev; a Europa jamais levou a sério a pressão econômica e política contra Vladimir Putin.
Essas foram algumas das argumentações de um encontro momentoso entre a jornalista Anne Applebaum, hoje uma das intelectuais mais influentes dos Estados Unidos e autora do novo best-seller “Autocracia S.A.”, e Dmitro Kuleba, que foi ministro das Relações Exteriores da Ucrânia de 2020 até o mês passado, quando deixou o cargo.
Os dois se encontraram na Feira de Frankfurt nesta sexta (18) de manhã para uma conversa sobre como a guerra terminará. Ninguém estava muito otimista.
“A guerra termina quando a Rússia decidir que não vale mais a pena lutar, depois de derrotas simbólicas e fracassos econômicos o suficiente”, disse a vencedora do Pulitzer, que recebeu o prêmio da paz desta edição do evento alemão. “Isso cedo ou tarde vai acontecer, e então o país estará pronto para um acordo diplomático.”
Applebaum apontou o que enxergava como dois erros crassos nas ações dos países ocidentais diante da guerra. Primeiro, adotar uma postura de ajudar a Ucrânia “por quanto tempo for necessário”, ressaltando a resiliência em vez da arquitetura de um plano concreto para derrotar rápido os russos.
Em segundo lugar, não pressionaram Putin o suficiente pela economia, adotando comportamentos que brasileiros chamariam de “para inglês ver”. “Vocês sabiam que a exportação da Europa para o Cazaquistão triplicou desde 2022? Isso não quer dizer que as relações com aquele país de repente ficaram pujantes. Esse comércio acaba na Rússia.”
Kuleba ressaltou um discurso já frequente nos oficiais ucranianos, de que Putin não ficará satisfeito caso consiga conquistar a Ucrânia e avançará para outros países europeus. Applebaum apontou que é difícil para a Europa ver a Rússia como uma ameaça existencial. “São pessoas que, por 30 anos, foram convencidas de que a Guerra Fria tinha ficado para trás.”
A jornalista, que se especializou em analisar o avanço do autoritarismo em livros como “O Crepúsculo da Democracia”, também se mostrou cética em relação a organismos internacionais. “O Conselho de Segurança da ONU, hoje, não funciona mais, com China e Rússia empenhadas em projetos contra a democracia ocidental.”
Ela aproveitou para adiantar alguns dos argumentos de “Autocracia S.A.”, que sai no Brasil no próximo mês pela Record. Os projetos antidemocráticos têm ligação econômica umbilical entre si, segundo ela, o que leva países como a Coreia do Norte a apoiar a Rússia contra a Ucrânia mesmo jamais tendo qualquer relação bilateral que a posicionasse contra Kiev no tabuleiro global.
A aproximação financeira vem como consequência do pendor para a autocracia, com ditaduras se reforçando contra países democráticos, segundo a argumentação. “A China quer a Rússia de Putin viva para enfraquecer o Ocidente”, afirmou Kuleba. “Mas também o querem fraco, para que ele se submeta a seus interesses. Por isso a continuação da guerra a favorece.”
Segundo o ex-ministro ucraniano, que tem viajado o mundo agora como um propagandista informal de Kiev, países como a Alemanha, anfitriã do evento, têm uma longa história de relações com os russos, tanto que estavam “muito felizes de dividir a Europa em Oriente e Ocidente”. “O problema é que o Ocidente nunca acreditou na Ucrânia, nem antes nem depois da guerra.”
A mediadora do evento, a jornalista alemã Cathrin Kahlweit, perguntou se ele estaria desapontado. Ele levantou os ombros e disse: “Bom, é o Ocidente que temos”.