Dissuasão. A palavra, usualmente utilizada nos debates sobre quem tem mais armas nucleares em Moscou e Washington, passou a integrar o dicionário da crise atual no Oriente Médio devido à incisiva ação norte-americana para apoiar Israel em sua guerra contra o Hamas.
O presidente Joe Biden, que irá ao Estado judeu e à Jordânia nesta quarta (18) em meio a ameaças de escalada por parte do arquirrival Irã, optou por apoiar a retórica com seu instrumento bélico mais vistoso. No caso, não só um, mas dois grupos de ataque de porta-aviões, zênite da projeção militar americana mundo afora.
Um deles, liderado pelo USS Gerald Ford, já estava por perto e foi deslocado para patrulhar o Mediterrâneo oriental, depois de uma paradinha em Israel para deixar alguns armamentos. O outro, capitaneado pelo USS Dwight Eisenhower, está a cerca de três semanas de distância.
Outras medidas foram anunciadas, como o reforço de caças F-15 e F-16, além dos aviões de ataque A-10, especializados em alvejar colunas blindadas. Eles serão enviados para bases não nomeadas dos EUA no Oriente Médio. Um grupamento extra de 2.000 fuzileiros navais deverá ser enviado em breve, a ser somado com os cerca de 30 mil soldados americanos na região.
O aliado Reino Unido também ajuda, com dois navios de apoio e aviões-patrulha P-8 na região. Tudo isso com um só objetivo: demover Teerã, principal aliada e financiadora do Hamas e do ainda mais poderoso Hizbullah libanês, de envolver-se na guerra. Não satisfeitos, Biden e outros membros de seu governo passaram o domingo (15) na TV repetindo isso com todas as letras.
Até aqui, funcionou, com o Irã mantendo a ambiguidade usual e alternando falas agressivas com mais comedidas. Não se deve esquecer que o país persa já gastava mais de R$ 4 bilhões por ano para manter e armas seus aliados não-estatais por temer um conflito cara-a-cara com uma potência nuclear. Israel tem estimadas 90 bombas.
Mas a potência americana não pode ser subestimada. O país retém a capacidade única na história mundial de deslocar um verdadeiro exército aeronaval na forma de seus grupos de porta-aviões, e o USS Gerald Ford é o maior e mais capaz deles já construído.
Após um desenvolvimento turbulento, em 2017 ele foi comissionado para testes finais de mar. É um colosso de 333 metros de comprimento, com 25 anos de combustível nuclear para lhe garantir autonomia infinita na prática.
Carrega até 90 aeronaves, embora por problemas com suas novas tecnologias tenha como caça o clássico F/A-18 Super Hornet, e não o mais moderno F-35C, a versão naval do caríssimo avião de quinta geração, mais furtiva e avançada, que os EUA querem transformar em padrão.
Isso porque não foi compatibilizado o modelo com as novas catapultas eletromagnéticas do Gerald Ford, um de seus diferenciais, pois permite lançar 220 aviões por dia —a classe anterior, a Nimitz, permitia 25% a menos com seu maquinário a vapor.
Seu complemento usual é de 55 caças, apoiados por aviões de vigilância, guerra eletrônica e helicópteros. É mais poder do que a maioria das Forças Aéreas do mundo —a brasileira, em lenta renovação, não faz frente a isso com seus 76 jatos de combate, 70 deles modelos antigos com alguma modernização.
Em comparação com as forças que enfrentaria num hipotético confronto com o Irã, a vantagem é enorme: o país dos aiatolás tem 260 caças, mas são todos modelos antigos, inclusive o famoso F-14 americano que estrelou a franquia “Top Gun” no cinema, comprado antes da Revolução Islâmica de 1979 que cortou os laços entre Washington e Teerã.
Tão importante quanto o porta-aviões é sua escolta, formada por um cruzador e três destróieres lançadores de mísseis, além de um navio de apoio e um submarino nuclear de ataque com funções mais defensivas.
Cada cruzador da classe Ticonderoga leva até 122 mísseis, incluindo o de cruzeiro Tomahawk, de grande fama ou infâmia, a depender do lado de seu disparo, nas guerras americanas no Oriente Médio. Já os destróieres da classe Arleigh Burke têm em média 90 mísseis consigo.
Somando tudo, os dois grupos de ataque enviados podem sozinhos colocar em jogo imediatamente quase 800 mísseis, além de todo o arsenal a ser levado pelos caças a bordo dos porta-aviões. Em comparação, o devastador primeiro dia de ataque a Bagdá na guerra de 2003 viu empregados 40 mísseis de cruzeiro Tomahawk, sem falar em bombas guiadas e mísseis lançados por aeronaves.
O USS Dwight Eisenhower, a caminho de Israel, é da classe Nimitz e foi ao mar em 1977. Hoje, dos 11 grupos de porta-aviões, 10 são desse tipo. Os novos modelos são caríssimos, custando cerca de R$ 65 bilhões o navio, no câmbio atual. Dez foram planejados, e outros dois já estão em construção.
O desenvolvimento exponencial de tecnologias de mísseis nos últimos anos colocou em xeque a ideia de ter esses gigantes alvos se deslocando perto de zonas de conflito, particularmente no teatro do Pacífico, onde os chineses e russos apostam alto em poderosos modelos —os famosos “matadores de porta-aviões”.
No contexto do Oriente Médio, o Irã apostou no desenvolvimento de modelos balísticos antinavio eficazes para ação no golfo Pérsico, baseados na família Fateh-110. Especula-se que seus alcances vão de 300 km a 700 km, mas são mísseis mais lentos que os chineses e russos, sendo mais fáceis de interceptar.
Isso dito, o posicionamento dos grupos de ataque americanos no Mediterrâneo diminui tais riscos, pois os iranianos teriam de ter seus mísseis baseados no aliado Líbano, por exemplo, e um movimento desses seria seguido de perto por satélites e olheiros locais dos EUA e Israel.
O bombardeio de dois aeroportos sírios por Israel na semana passada, contudo, sugere que Tel Aviv ou queria mandar uma mensagem para evitar movimentações iranianas por seu aliado, ou mesmo para prevenir a entrega de alguma arma mais perigosa a ser levada para o Líbano.
O presidente russo, Vladimir Putin, criticou o envio do USS Gerald Ford como uma escalada, questionando se Biden queria “bombardear o Líbano ou o quê?”. Ele não está lá para isso, a exemplo das ogivas nucleares israelenses: sua função inicial é não ser usado, mas estar pronto para tal.