Não há dúvidas de quem é o grande favorito nas eleições gerais da Índia, que começam nesta sexta-feira (19) e se estendem por seis semanas. O BJP (Partido do Povo Indiano) deve levar a maioria das vagas da Câmara Baixa, a chamada Lok Sabha, e indicar o primeiro-ministro Narendra Modi para seu terceiro mandato.
A grande questão é a magnitude da esperada vitória da legenda e das siglas de sua coalizão. Um triunfo acachapante chancelaria o legado positivo de crescimento econômico, obras de infraestrutura e programas sociais de Modi –mas também sinalizaria carta-branca para o primeiro-ministro aprofundar suas políticas nacionalistas hindus que levaram à erosão dos direitos humanos e da liberdade de expressão no país nos últimos anos.
A eleição na Índia é a maior do mundo. São 969 milhões de eleitores registrados (mais de quatro vezes a população brasileira), e o pleito ocorre em sete estágios, até dia 1º de junho. Os resultados serão divulgados em 4 de junho.
Modi estabeleceu uma meta de 370 assentos para o BJP (de um total de 545) e 400 assentos para sua coalizão. Em 2019, o BJP garantiu 303 assentos e sua coalizão totalizou 353 cadeiras —já foi uma vitória impressionante. O Congresso Nacional Indiano, principal legenda da oposição, conquistou 52 lugares, 91 se somado a aliados.
O partido de Modi também se destaca nos governos estaduais. O BJP controla 12 dos 28 estados da Índia, enquanto o Congresso governa em apenas 3.
Uma década de investimentos em infraestrutura trouxe resultados visíveis. A Índia tem hoje o dobro do número de aeroportos do que tinha há uma década, e o número de passageiros domésticos mais que duplicou. Com Modi, o país conseguiu, finalmente, reduzir sua famigerada burocracia —a Índia subiu de 134º lugar, em 2014, para 63º em 2020 no ranking do Banco Mundial sobre facilidade de se fazer negócios (Brasil está em 124º).
O acesso à água encanada na zona rural subiu de 16,8%, em 2019, para 75%. Modi declarou o país livre de defecação a céu aberto em 2019, após uma campanha para construir mais de 110 milhões de banheiros. Até 2016, mais de 500 milhões de indianos que não tinham banheiro em casa usavam fossas ou buracos.
A isso soma-se o carisma do primeiro-ministro e sua história de “self made man”. Pertencente a uma casta discriminada, ele cresceu muito pobre e se juntou a um grupo religioso hindu, para depois galgar os degraus do partido e chegar a governador do estado de Gujarat.
Pesquisa de fevereiro do Ipsos IndiaBus mostra que a popularidade de Modi está em alta. A taxa de aprovação subiu de 65%, em setembro passado, para 75%.
Há, no entanto, o outro lado do desenvolvimento. De acordo com a organização Repórteres Sem Fronteiras, a Índia ficou em 161º lugar entre 180 países em liberdade de imprensa em 2023. A Freedom House classificou a Índia como “parcialmente livre” em seu relatório de 2024, com a Caxemira sob controle indiano designada como “não livre”.
A discriminação contra a minoria muçulmana no país, que totaliza 200 milhões de pessoas entre a população de 1,4 bilhão, tem se intensificado.
Onze estados liderados pelo BJP e aliados passaram medidas que proíbem casamentos inter-religiosos que envolvam conversão. A medida é uma resposta à chamada “jihad do amor“, teoria da conspiração que acusa muçulmanos de casarem sistematicamente com mulheres hindus para convertê-las ao islamismo. Também se multiplicaram os casos de “justiceiros das vacas“, que assassinam muçulmanos que supostamente estariam transportando carne de vaca, animal sagrado na Índia.
No rol de medidas consideradas antimuçulmanas, o governo Modi revogou, em 2019, o status especial do estado de Jammu e Caxemira, o único de maioria muçulmana, que contavam com certa autonomia. Poucos meses depois, Modi apresentou a Lei da Cidadania, que facilita para cidadãos de Bangladesh, Paquistão e Sri Lanka obterem cidadania indiana, mas não se eles forem muçulmanos. Segundo o governo, o objetivo é proteger hindus e outras minorias religiosas nessas nações de maioria muçulmana. O Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU classificou a medida de “discriminatória”.
Jornalistas também têm sido alvos frequentes. Os estrangeiros estão proibidos de fazer reportagens na Caxemira e em Manipur, estado do nordeste da Índia onde há violência étnica. Apenas alguns poucos veículos independentes, a maioria sites noticiosos, sobreviveram à ofensiva intimidatória e ao corte de propaganda governamental. A Redação da BBC foi alvo de uma operação de autoridades da Receita no ano passado, após a emissora inglesa veicular, fora do país, um documentário crítico a Modi.
Se Modi tiver uma vitória com margem muito grande, acima de 370 assentos, nada vai detê-lo, diz uma jornalista indiana que não quis se identificar, por medo de represálias. Segundo ela, Modi não está nem aí para críticas do New York Times ou de ONGs de direitos humanos, mas se preocupa com o apoio popular para se eternizar no poder.
Modi apertou ainda o cerco sobre a oposição. Em março, Arvind Kejriwal, o ministro-chefe (governador) de Déli, foi preso por acusações de corrupção e agora governa da prisão. Uma divisão investigativa do governo indiano, o Escritório de Aplicação da Lei, prendeu vários outros políticos da oposição nos últimos meses.
Kejriwal, uma das principais figuras da oposição, ascendeu ao liderar um movimento anticorrupção, e seu partido, o Aam Aadmi, vinha ganhando força. Um porta-voz da legenda disse que a detenção, sob acusação de aceitar suborno de dois anos atrás, tinha motivação política. No mesmo dia, o governo Modi também congelou as contas do Congresso Nacional Indiano alegando evasão fiscal.
Rahul Gandhi, ex-líder do partido do Congresso e uma de suas principais figuras políticas, chegou a ser condenado a dois anos de prisão no ano passado por “difamar” Modi em 2019.
A oposição promete expandir os programas sociais de Modi e faz campanha contra o que vê como a ascensão do autoritarismo no país sob o premiê. E, embora esteja reunida em uma coalizão de mais de 20 partidos, continua fraca e fragmentada, com deserções recentes.
“Eu acho que o BJP está prestes a conquistar uma maioria significativa, mais uma vez”, disse à Folha Hari Seshasayee, pesquisador visitante do Observer Research Foundation, em Déli, e especialista em Ásia e América Latina no Pnud, da ONU.
“Eles controlam a narrativa, Modi é como teflon, nada cola. Eventos recentes como a prisão de um dos políticos de oposição mais populares do país nem sequer arranharam a popularidade de Modi”, diz.