No último dia de votação da maior eleição do mundo, eleitores na Índia enfrentaram uma temperatura de 45ºC que fez muitos desmaiaram em Gorakhpur, no estado de Uttar Pradesh. Mesmo assim, houve quem comemorasse a temperatura, mais baixa que as registradas em outros dias.
“O tempo está bom. O primeiro-ministro está fazendo meditação e amoleceu a deusa do Sol”, disse Ravi Kishan, ator e candidato do BJP (Partido do Povo Indiano, a legenda do premiê) à vaga de membro do Parlamento representando o distrito de Gorakhpur.
Narendra Modi passou as 45 horas anteriores ao final da votação meditando em um retiro no estado de Tamil Nadu, no sul da Índia.
“Isso é histórico —no meio desse calor intenso, começou a ventar hoje”, afirmou Kishan, reforçando as credenciais celestiais de Modi. O premiê disse recentemente a apoiadores ter sido “escolhido por Deus” para desempenhar sua função.
Para a agricultora Sangeeta Chowhan, as preocupações eram bem mais terrenas. Ela lamentava ter perdido o pagamento por um dia de trabalho na lavoura para votar em uma seção no vilarejo de Bhiti Rawat. Colhendo arroz e trigo, ela ganha 150 rúpias indianas por dia, ou US$ 1,80 (R$ 9), abaixo da linha de pobreza estabelecida pelo Banco Mundial, que é US$ 2,15 (R$ 11) por dia.
UP, como é conhecido, é o estado mais populoso da Índia, com 240 milhões de habitantes, mais do que o Brasil. E é também decisivo –escolhe 80 dos 543 deputados da Câmara Baixa, a Lok Sabha. Parte deles foi definida no sábado (1º), a sétima e última fase da eleição indiana, que tem 950 milhões de eleitores registrados e transcorreu ao longo de 43 dias.
A maioria da população de UP é formada por hindus das castas mais baixas –e mais pobres– da Índia. Cerca de 20% são dalits, como a agricultora Sangeeta, e 50% são OBCs (outras castas prejudicadas, em português).
As castas mais baixas tradicionalmente votavam no partido do Congresso e em outras legendas regionais (neste ano, algumas aliadas ao Congresso). Mas desde que Modi assumiu o poder em 2014, uma parcela crescente dos dalits e OBCs em Uttar Pradesh e em outros estados passaram a votar no BJP –entre outros motivos, por causa dos programas sociais do governo, que tiveram enorme expansão.
Em 2024, com o desemprego entre jovens ultrapassando 40% e a inflação de alimentos em alta, a grande questão é: será que os votos das castas mais baixas irão voltar para a oposição?
Sangeeta não sabe ler nem escrever, assim como 40% das mulheres em Uttar Pradesh. Ela não sabe o nome do candidato em quem votou. “Eu voto na bicicleta”, ela contou. A bicicleta é o símbolo do partido Samajwadi, o SP —o do BJP, incumbente no distrito, é o lótus.
“Eu voto em quem nosso líder [o membro do Parlamento estadual] disser para a gente votar, porque ele é quem nos ajuda.” Uma das maiores preocupações das castas mais baixas é manter o sistema das cotas no serviço público, educação e promoções.
Muitos eleitores em UP dizem que o BJP vai mudar a Constituição e acabar com as cotas. A narrativa ganhou força após viralizar um vídeo editado mostrando, falsamente, o governador do Rajastão, Kirodi Lal Meena, do BJP, dizendo que o partido precisa conquistar 400 assentos na Lok Sabha para fazer isso.
Modi contra-atacou, dizendo que a oposição é que vai mudar a Constituição –e tirar as cotas das castas mais baixas e dar para os muçulmanos. Isso ocorreu após o presidente do partido do Congresso dizer que deveria haver cotas baseadas também em religião. Em UP, muçulmanos são 20% da população.
Outra questão importante é o desemprego, principalmente entre jovens. O agricultor Ram Dhidu votou no BJP na eleição passada. Nesta, ainda não sabe. Ele conta ter investido na educação de seus dois filhos homens –deixou que eles saíssem da lavoura e ficassem na escola. Mas, agora, eles não conseguem emprego.
Já outros veem o copo meio cheio. O autônomo Rahul (que não quis dar seu sobrenome) disse que, em seu vilarejo, três empresas privadas abriram as portas e criaram empregos. Ele apoia o atual membro do Parlamento, Kishan, e o governador do estado –o incendiário Yogi Adityanath, um religioso hindu que é mais radical que Modi e atrai ódio e amor.
Para agradar sua base religiosa, Yogi, como é conhecido, determinou o fechamento da maioria dos abatedouros e frigoríficos do estado em 2017, com o objetivo de evitar a crueldade com as vacas, animais sagrados na religião hindu.
Os primeiros afetados foram os muçulmanos –muitos trabalhavam no negócio e ficaram sem emprego.
Mas hindus também foram prejudicados. Os criadores de gado costumavam vender para o abatedouro as vacas idosas e os bezerros. Com a proibição, eles deixaram de ganhar esse dinheiro –e precisam alimentar animais que não geram receita.
Como resultado eles passaram a soltar o gado pelas ruas e estradas. E as vacas errantes estão acabando com as plantações. Os abrigos criados pelo governo para acolher esses animais estão sempre cheios.
O agricultor Dhidu gastou 18 mil rúpias (US$ 215) para instalar cerca eletrificada com energia solar em volta das terras que arrenda para plantar pepino, abóbora e berinjela.
“As vacas vinham aqui à noite, comiam e estragavam tudo”, disse. “Se a gente não tivesse instalado cercas, ia faltar legume no mercado”.
O BJP era tradicionalmente um partido da elite brâmane que se popularizou com Modi. O premiê cresceu ajudando o pai a vender chá na rua e pertence a uma das castas baixas. Ainda assim, o BJP mantém, em grande parte, seu apelo entre as elites.
“Eu levava de 6 a 7 horas para chegar a Lucknow [capital do estado]. Agora, com a estrada nova, são só 4 horas”, diz RP Srivastavan, oficial da reserva da Força Aérea. “As coisas mudaram nos últimos anos, há desenvolvimento, e o status da Índia no mundo cresceu.”
Agora, resta saber qual foi a decisão de indianos como o agricultor Dhidu. Caso as pesquisas de boca de urna estejam corretas, isso significa que os dalits e OBCs não abandonaram o BJP e vão garantir uma maioria parlamentar folgada no terceiro mandato para Modi.