É muito fácil delinear o crânio sob o rosto do menino, a pele pálida esticando-se apertada sobre cada curva do osso, flácida em cada cavidade. Seu queixo se projeta com uma nitidez perturbadora. Sua carne encolheu e enrugou, a vida reduzida a pouco mais do que uma máscara fina sobre uma morte iminente.
Em uma série de fotografias jornalísticas do menino Yazan Kafarneh, tiradas com a permissão de sua família enquanto ele lutava pela vida, seus olhos com cílios compridos olhavam para fora, desfocados. Na foto amplamente compartilhada em redes sociais, sua mão direita, enfaixada em um acesso intravenoso, se contrai em um ângulo estranho, um marcador visível de sua paralisia cerebral.
Ele tinha dez anos, mas nas fotografias dos seus últimos dias numa clínica no sul da Faixa de Gaza, parece pequeno para a idade e ao mesmo tempo velho. Na segunda-feira (4), Yazan estava morto.
As fotos de Yazan que circulam nas redes sociais rapidamente fizeram dele o rosto da fome em Gaza.
Grupos de ajuda alertaram que as mortes por causas relacionadas à desnutrição apenas começaram para os mais de 2 milhões de habitantes da região. Cinco meses após o início da campanha de Israel contra o Hamas e do cerco a Gaza, centenas de milhares de palestinos estão à beira da fome, dizem os responsáveis das Nações Unidas.
Quase nenhuma ajuda chegou ao norte do enclave palestino durante semanas, depois de as principais agências da ONU terem suspendido suas operações, citando os saques em massa de suas cargas por pessoas desesperadas, as restrições israelenses a comboios e a má condição das estradas danificadas durante a guerra.
Pelo menos 20 crianças palestinas morreram de desnutrição e desidratação, segundo autoridades de saúde de Gaza. Tal como Yazan, que precisava de medicamentos que eram extremamente escassos no lugar, muitos dos que morreram também sofriam de problemas de saúde que colocavam ainda mais suas vidas em risco, disseram as autoridades sanitárias.
“Muitas vezes uma criança está extremamente desnutrida e, em seguida, fica doente e esse vírus é, em última instância, o que causa a morte”, disse Heather Stobaugh, especialista em desnutrição da Action Against Hunger, um grupo de ajuda. “Mas elas não teriam morrido se não estivessem desnutridas.”
Autoridades de saúde de Gaza disseram que duas das crianças que morreram de desnutrição tinham menos de dois dias de vida. Embora advertindo que era difícil dizer o que aconteceu sem mais informações, Stobaugh disse que a desnutrição em mães grávidas e a falta de fórmula poderiam facilmente ter levado à morte de crianças, que são as mais vulneráveis à desnutrição extrema.
Isso se alinha com um relato dado por um grupo de ajuda, ActionAid, ao afirmar que um médico no hospital maternidade Al-Awda, no norte de Gaza, disse ao grupo que mães desnutridas estavam dando à luz a bebês natimortos.
Os pais de Yazan lutaram durante meses para cuidar do filho, cuja condição, dizem os especialistas, significava que ele tinha dificuldade para engolir e precisava de uma dieta leve e rica em nutrientes.
Após o bombardeio israelense em Gaza na sequência do ataque liderado pelo Hamas em Israel, em 7 de outubro, os pais do menino fugiram de casa, levando Yazan e outros três filhos para um lugar que esperavam ser mais seguro.
“Dia após dia, vi meu filho ficando mais fraco”, disse seu pai, Shareef Kafarneh, um taxista de 31 anos de Beit Hanoun, no norte de Gaza.
Por fim, eles acabaram em Al-Awda, na cidade de Rafah, no sul, onde Yazan morreu na manhã de segunda-feira. Ele sofria de desnutrição e infecção respiratória, segundo Jabr al-Shaer, pediatra que o tratou. Al-Shaer culpou a falta de alimentos pelo enfraquecimento do já frágil sistema imunológico do menino.
Obter comida suficiente já era uma luta para muitos na bloqueada Faixa de Gaza antes da guerra. Cerca de 1,2 milhão de residentes de Gaza precisavam de assistência alimentar, segundo as Nações Unidas, e aproximadamente 0,8% das crianças menores de cinco anos em Gaza estavam gravemente desnutridas, disse a Organização Mundial da Saúde.
Cinco meses após a guerra, esse número parece ter aumentado: cerca de 15% das crianças com menos de dois anos no norte de Gaza estão gravemente desnutridas, assim como aproximadamente 5% no sul, afirmou a Organização Mundial da Saúde em fevereiro. Com metade de todos os bebês em Gaza alimentados por fórmula, disse Stobaugh, a falta de água potável para fazer a solução está agravando a crise.
Adele Khodr, diretora para o Oriente Médio da Unicef, a agência das Nações Unidas para a infância, disse nessa semana: “Essas mortes trágicas e horríveis são provocadas pelo homem, previsíveis e totalmente evitáveis.”
A situação deixou os pais em pânico.
Líderes mundiais alertam cada vez mais para a fome catastrófica em Gaza, e até mesmo alguns dos aliados mais próximos de Israel pressionam o país para que faça mais. Na quinta-feira (7), o presidente Joe Biden anunciou que o exército dos EUA instalaria um porto flutuante para ajudar a transportar suprimentos para Gaza.
Na sexta-feira (8), a agência israelense conhecida como Cogat, que regula a ajuda aos palestinos, afirmou: “Israel também está fazendo um esforço constante e significativo para encontrar soluções que facilitem a entrada de ajuda na Faixa de Gaza, e em sua área norte em particular.”
Antes de a guerra devastar Gaza, Yazan Kafarneh estava gradualmente vendo uma melhora em sua longa luta contra a paralisia cerebral, disse sua família.
Fisioterapeutas fornecidos por organizações sem fins lucrativos o tratavam em casa, enquanto medicamentos ajudavam a melhorar sua condição, disse seu pai. Ele podia não ser capaz de andar, mas sabia nadar.
Kafarneh planejava cuidadosamente uma dieta rica em nutrientes para seu filho, baseada em alimentos leves, incluindo ovos no café da manhã e as bananas que Yazan amava.
Mas os medicamentos desapareceram quando a guerra começou, e, à medida que os suprimentos de alimentos da família diminuíam, Kafarneh disse que não conseguia manter a dieta especial de Yazan. Ele trocou os ovos da manhã por pão amolecido com chá; teve dificuldade em encontrar bananas, então tentou dar outros alimentos doces a Yazan, mesmo que o preço do açúcar tivesse disparado. O desafio já difícil de alimentá-lo adequadamente se tornou quase impossível.
Em 25 de fevereiro, a família de Yazan o levou para a ala pediátrica de Al-Awda. Ele estava com pneumonia, que suas semanas de fome e seu estado já frágil agravaram.
Embora os médicos e enfermeiros lhe dessem antibióticos para a infecção, não conseguiram encontrar uma bebida nutricional reforçada que tivesse sido usada para alimentá-lo antes da guerra, disse Halima Tubasi, uma enfermeira que cuidou de Yazan antes de ele morrer.
Kafarneh disse que a causa da morte de seu filho não era um mistério.
“Os alimentos que ele costumava comer não estão mais sendo consumidos”, disse ele. “Os medicamentos e alimentos suplementares não estavam disponíveis de jeito nenhum.”