Cabo Verde é considerado um dos países na linha de frente das alterações climáticas e da perda de biodiversidade. Ao mesmo tempo, é uma das economias onde florescem diversos projetos de recuperação e resiliência para lidar com a escalada das crises globais ligadas ao meio ambiente.
Neste 22 de maio, que marca o Dia Internacional da Diversidade Biológica, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Pnud, destaca ações de proteção da biodiversidade na ilha do Fogo, uma das 10 ilhas vulcânicas que compõem a nação africana situada a quase 600km da costa do continente.
Recuperação após erupção vulcânica
O Fogo é a ilha mais jovem e vulcanicamente ativa do país e conta com uma população de cerca de 48,7 mil habitantes. A ilha abriga o vulcão do Pico do Fogo, o ponto mais alto de Cabo Verde, que entrou em erupção seis vezes nos últimos 200 anos, a última delas em novembro de 2014.
Naquela ocasião, a lava expelida pelo vulcão ao longo de 88 dias de erupção ativa forçou a evacuação de 964 moradores de aldeias próximas. Localizada no interior da cratera do vulcão, numa paisagem única que se assemelha à Lua, a comunidade de Chã das Caldeiras desapareceu completamente. A lava soterrou casas, escolas, centros de saúde e centros comunitários, além de inundar estradas e destruir as terras agrícolas das quais os moradores dependiam para sua subsistência.
Quase uma década depois, essa comunidade resiliente se recuperou. Cerca de 500 pessoas vivem atualmente em Chã das Caldeiras. Além da agricultura, trabalham agora no turismo, uma vez que a aldeia fica no coração do Parque Natural do Fogo, uma área protegida criada em 2003 para proteger a biodiversidade do local.
Reserva da Biosfera do Fogo
Por meio do Programa de Pequenas Bolsas do Fundo Global para o Meio Ambiente, GEF, o Pnud apoia diretamente as comunidades locais há mais de três décadas. O objetivo é promover ações que abordem questões ambientais globais e, ao mesmo tempo, fortaleçam os meios de subsistência.
Desde 2011, o programa investiu em 19 projetos executados por organizações da sociedade civil dentro e ao redor do Parque Natural do Fogo para abordar questões de degradação da terra, desmatamento, conservação da biodiversidade, acessibilidade à água e acesso à energia sustentável.
A designação da Reserva da Biosfera do Fogo em 2020 representou um grande compromisso do Governo de Cabo Verde com a biodiversidade e a preservação cultural, reconhecendo a ligação entre ecossistemas saudáveis, comunidades resilientes e estabilidade econômica. O título foi designado pela Organização das Nações Unidas Educação, Ciência e Cultura, Unesco.
Lar de biodiversidade
A reserva abrange toda a ilha e três milhas de oceano ao seu redor. Na sequência deste marco, a Associação Projeto Vitó recebeu apoio internacional para operacionalização da Reserva da Biosfera.
Esta Reserva é uma das áreas de avifauna mais importantes de Cabo Verde e o lar de tartarugas marinhas ameaçadas que procriam nas praias de areia preta. A língua de vaca, uma planta com flores com usos medicinais, também é encontrada neste local, bem como seis espécies de répteis terrestres, incluindo a rara lagartixa de López-Jurado.
As principais ameaças aos recursos naturais da Ilha do Fogo são a conversão de terras para a agricultura, a introdução de espécies exóticas e o sobrepastoreio, que contribuíram para a perda e destruição de habitats-chave que abrigam suas preciosas espécies endêmicas.
A Associação Projeto Vitó está buscando melhorar a conservação da biodiversidade na Reserva, apoiando diretamente a gestão do Parque Natural do Fogo através de uma abordagem de ciência cidadã e promovendo a transferência de conhecimento científico e técnico para a sociedade civil através de campanhas de sensibilização.
Da lava ao café e ao vinho
A designação da Ilha do Fogo como Reserva da Biosfera da Unesco teve como fundamento não apenas a importância ambiental, mas também o patrimônio cultural único e características socioeconômicas.
As frequentes erupções do vulcão alteraram a paisagem de Chã das Caldeiras tornando o rico solo vulcânico ideal para o cultivo de videiras, que os franceses introduziram na comunidade há mais de 150 anos, levando à produção de um vinho local de cor e intensidade únicas conhecido como manecom.
A bebida tem uma identidade cultural muito forte neste local. A produção é feita de uma forma tradicional e favorável ao meio ambiente. A Reserva da Biosfera do Fogo é considerada pelos habitantes como um caminho para conservar esse patrimônio cultural.
O café também tem sido central para a vida na Ilha do Fogo desde que os comerciantes portugueses o introduziram a partir da África. A cidade de Mosteiros é o local mais adequado da Reserva para a plantação de café devido ao seu microclima e solos vulcânicos, que produzem grãos com um aroma distinto que se tornaram um símbolo de orgulho para a ilha.
Mosteiros não só declarou o café uma de suas sete maravilhas, mas também criou um museu do café em 2021 para preservar a história dos métodos de produção artesanal desenvolvidos lá.
De acordo com o coordenador nacional de Pequenas Bolsas do GEF, Ricardo Monteiro, “a Reserva Mundial da Biosfera do Fogo é um instrumento eficaz para a gestão da conservação e do desenvolvimento sustentável. De certa forma, é uma resposta coletiva que aumenta o engajamento das comunidades locais”.