O caos climático e as crises alimentares são ameaças graves e crescentes à paz e segurança globais. Essa foi a mensagem central do secretário-geral da ONU em um debate aberto do Conselho de Segurança, realizado nesta terça-feira.
António Guterres afirmou que a crise alimentar global está criando “um cenário infernal” de fome e sofrimento para muitas pessoas e a crise climática está acelerando “com uma força mortal”, ressaltando que ambos os fatos prejudicam a paz.
Motores da crise alimentar
Segundo ele, os conflitos podem ser facilmente desencadeados onde as tensões são elevadas, as instituições são fracas e as pessoas são marginalizadas.
O líder das Nações Unidas também destacou que, simultaneamente, o clima e os conflitos são dois dos principais motores da crise alimentar global. Estes fatores foram as principais causas da insegurança alimentar aguda para quase 174 milhões de pessoas em 2022.
O secretário-geral alertou que “onde as guerras acontecem, a fome reina”. Guterres destacou que tal situação acontece “seja devido ao deslocamento de pessoas, à destruição da agricultura, aos danos às infraestruturas ou às políticas deliberadas de negação”.
Ele sublinhou que o caos climático piora ainda mais a situação, pois as inundações e as secas destroem as colheitas, as mudanças nos oceanos perturbam a pesca, a subida dos mares degrada a terra e a água doce e as mudanças nos padrões climáticos geram pragas.
Países em conflito e sob impacto climático
O chefe da ONU citou diversos exemplos, como a Síria, onde quase 13 milhões de pessoas vão para a cama com fome depois de uma década de guerra e de um terrível terremoto em 2023.
Em Mianmar, o conflito e a instabilidade política inverteram o progresso no sentido de acabar com a fome. Em Gaza, Guterres enfatizou que “ninguém tem o que comer”, ressaltando que das 700 mil pessoas mais famintas do mundo, quatro em cada cinco habitam aquela pequena faixa de terra.
Ele também citou o Haiti, onde os “furacões combinam-se com a violência e a ilegalidade” para criar uma crise humanitária que afeta milhões de pessoas.
O secretário-geral afirmou que cada um dos 14 países que correm maior risco devido às alterações climáticas está passando conflitos. Treze deles enfrentam uma crise humanitária este ano.
“Conexões mortais”
Ele lembrou que, a nível mundial, há o risco de um ressurgimento da inflação alimentar, à medida que as secas prejudicam o Canal do Panamá e a violência atinge o Mar Vermelho, desorganizando as cadeias de abastecimento.
Guterres pediu ação aos membros do Conselho de Segurança para evitar ameaças crescentes e quebrar as conexões mortais entre conflito, clima e insegurança alimentar.
O chefe da ONU propôs medidas para que todas as partes, em todos os conflitos, respeitem o direito humanitário internacional. Ele ressaltou que a Resolução 2417 do Conselho de Segurança sobre a proteção de civis em conflitos armados é clara: os bens essenciais à sobrevivência dos civis devem ser protegidos. A fome de civis pode constituir um crime de guerra. E os profissionais humanitários devem ter acesso desimpedido aos civis necessitados.
Guterres afirmou que o Conselho tem um papel fundamental de exigir o cumprimento do texto e responsabilizar aqueles que violam a resolução.
Financiamento e desenvolvimento
Ele defendeu ainda o financiamento integral das operações humanitárias, para evitar que desastres e conflitos reforcem a fome, ressaltando que no ano passado, as operações humanitárias foram financiadas em menos de 40%.
Por fim, o chefe das Nações Unidas disse que é preciso criar as condições para resolver conflitos e preservar a paz dentro dos países e entre países. Para isso, é preciso enfrentar a exclusão, as desigualdades e a pobreza, pois elas aumentam o risco de conflito.
Segundo ele, a resposta é acelerar o progresso rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, incluindo o objetivo de fome zero.
Guterres afirmou que é preciso fortalecer e renovar os quadros globais de paz e segurança e convocou os membros do Conselho a aproveitar ao máximo a Cúpula do Futuro ainda este ano, onde os Estados-membros irão considerar a proposta da Nova Agenda para a Paz.