Vizinho de Gaza, o Egito já se prepara para lidar com as consequências da iminente invasão por terra de Israel em Rafah, cidade mais ao sul do território palestino e que divide fronteira com os egípcios. Segundo relatos, o regime no Cairo já planeja construir uma área para receber refugiados.
A situação de Rafah é uma das mais delicadas do conflito. A guerra começou em 7 de outubro de 2023 com um ataque da facção radical Hamas, que deixou 1.200 mortos em Israel. O revide, que organizações internacionais consideram desproporcional, matou mais de 30 mil pessoas até agora.
A ofensiva de Tel Aviv começou no norte de Gaza. O Exército israelense pediu que palestinos se refugiassem no sul, o que centenas de milhares fizeram.
A população da província de Rafah foi de 280 mil para 1,5 milhão de pessoas. A área é de 65 quilômetros quadrados, menos de 5% do território do município de São Paulo.
Hoje, três quartos da população total de Gaza superlotam Rafah. Uma invasão israelense poderia levar à aceleração de uma já vertiginosa taxa de mortes. Israel tem sinalizado que, se não houver um cessar-fogo, deve entrar em Rafah ao longo do Ramadã —o mês sagrado do islã, que começa neste 10 de março.
Isso afetaria o Egito de duas maneiras. Primeiro, porque palestinos poderiam cruzar a fronteira para dentro do país, refugiando-se no deserto do Sinai. Tanto que o Egito começou a construir uma zona para abrigá-los.
A informação foi revelada por organizações locais de defesa dos direitos humanos, assim como por veículos internacionais de imprensa. O governo egípcio, no entanto, nega.
O Egito passa por uma grave crise econômica. Mohannad Sabry, um pesquisador egípcio especialista em Rafah, diz que mesmo nessas circunstâncias o Egito está disposto a abrigar os refugiados. Em especial, porque existe a possibilidade de a comunidade internacional prover auxílio financeiro.
“A posição egípcia é condicionada pelo dinheiro”, diz Sabry. No ano passado, o Egito aceitou auxílio europeu para abrigar centenas de milhares de pessoas do vizinho Sudão. Quanto ao risco político, afirma, será ignorado pelo governo. “O Egito é uma ditadura militar e, se houver insatisfação popular, vai esmagá-la.”
Há certo receio, porém, de que, ao aceitar a entrada de refugiados palestinos, o Cairo seja visto como conivente com seu deslocamento.
Paira o trauma dos eventos de 1948, quando a criação de Israel levou à expulsão de 700 mil palestinos—muitos deles inclusive fugiram para Gaza naquele ano.
Outro impacto possível da invasão de Rafah é a tomada israelense do chamado “Corredor Philadelphi”. Trata-se de uma zona-tampão entre a faixa de Gaza e o Egito com 14 quilômetros de extensão e 100 metros de largura.
Quando Israel e Egito assinaram um acordo de paz em 1979, Israel ficou com o controle do corredor. Em 2005, porém, o país retirou seus assentamentos de Gaza, e o poder foi transferido para as autoridades palestinas. Esse arranjo foi mantido desde então, mesmo sob o Hamas.
Israel agora sinaliza que pode retomar o corredor com a justificativa de controlar o contrabando de armas para dentro da faixa de Gaza. Isso poderia incomodar o Egito, que está logo do outro lado da estreita linha.
“O controle israelense do corredor levaria ao isolamento total de Gaza”, diz à Folha o senador egípcio Mohamed Farid. Agravaria, portanto, a crise humanitária. “Também aumentaria a chance de uma troca de disparos acidental entre israelenses e egípcios, o que seria desastroso.”
Seguindo a linha oficial, Farid nega que o Egito esteja construindo uma área para receber refugiados palestinos. Insiste em que a entrada de pessoas de Gaza no Sinai representaria um risco de segurança para o país.
“Quem sabe quantos militantes infiltrariam nossas fronteiras”, diz. “Já lutamos uma devastadora guerra de uma década contra terroristas no deserto do Sinai”, afirma, referindo-se à região egípcia que faz divisa com Gaza.
Farid sugere que o Egito não seria capaz de fiscalizar a passagem de milhares de pessoas e que, além disso, campos de refugiados palestinos no Sinai se tornariam focos de radicalização. “Seria uma situação catastrófica do ponto de vista da segurança.”
O senador afirma que, em vez de discutir a tomada do Corredor Philadelphi, Egito e Israel deveriam estar negociando a passagem de mais assistência humanitária e pressionando o Hamas para libertar os reféns israelenses que mantém. “É preocupante como não se fala mais nos sequestrados.”
Sabry, por outro lado, diz que há exagero na imprensa a respeito do corredor —que, curto e estreito, não teria importância militar real. Apesar de suas fortes declarações em defesa dos palestinos, o Egito tem sido, nos últimos anos, um parceiro inquebrantável de Israel na região, na avaliação de Sabry. “O Cairo não está disposto a sacrificar sua relação com Tel Aviv por causa dos palestinos. Essa relação é importante demais para a estabilidade do regime.”