Como tantos conterrâneos, o assistente social Yoav, 33, é reservista das Forças Armadas de Israel, no departamento de saúde mental. “Um dos meus deveres é preparar mentalmente as pessoas que identificam corpos de ataques terroristas, para prevenir o transtorno de estresse pós-traumático“, explica.
Aí veio o 7 de outubro, e entre as vítimas do massacre promovido pelo Hamas estavam bebês degolados e carbonizados. O governo israelense também divulgou a imagem do quarto de uma criança, com paredes, chão e brinquedos ensanguentados.
Emily Hand, 8, que dormia na casa de uma amiga para terem “a noite das meninas”, foi uma das crianças assassinadas. Seu pai se disse consolado por a filha ao menos não ter sido sequestrada. “Sabia que ela não estava sozinha, em Gaza, num quarto escuro, rodeada por sabe-se lá quantas pessoas, aterrorizada a cada minuto de cada dia, possivelmente por anos. Então, a morte foi uma bênção”, afirmou Tom Hand à CNN.
Yoav quer ser pai. Ele e o marido, Yotam, 37, formam um dos 326 casais israelenses que tentam viabilizar o sonho da parentalidade com ajuda da Tammuz, agência sediada em Tel Aviv que oferece serviços de barriga de aluguel.
O conflito instalado após a matança liderada pelo Hamas jogou incertezas sobre esses futuros pais e mães, um dos muitos efeitos colaterais que uma guerra pode provocar no cotidiano dos cidadãos, para além das consequências mais imediatas e trágicas —estima-se que morreram dezenas de crianças israelenses e centenas de palestinas.
A Tammuz, batizada com o nome do deus sumério da fertilidade, já havia experimentado de perto o cruzamento de duas realidades tão paradoxais quanto a expectativa pelo nascimento de um bebê e os horrores de uma nova guerra. Em 2022, o confronto entre Ucrânia e Rússia colocou em risco a vida de gestantes ucranianas que carregavam o filho de pessoas que contrataram a agência, inclusive casais brasileiros.
A nação atacada por Putin tem o mais barato dos planos negociados pela Tammuz, a partir de US$ 49 mil (R$ 248 mil). Colômbia, Argentina, México, Geórgia e EUA são os outros países onde se é possível realizar o procedimento. O contrato mais caro é o americano, com custo mínimo de US$ 108 mil (R$ 544 mil). A lei brasileira não permite algo assim no país, mas a empresa tem um escritório em São Paulo para intermediar o encontro com mulheres dispostas a gestar uma criança no exterior.
Israel não é a Ucrânia. As vítimas no país do Oriente Médio se concentraram no ataque surpresa do Hamas, e agora, durante a pesada contra-ofensiva israelense, o embate vitima quase que só palestinos.
Mas há implicações práticas, como o recrutamento de homens e mulheres que estão tentando ter filhos para se juntar à investida militar contra Gaza, diz Roy Rosenblatt-Nir, CEO da Tammuz e ex-cônsul de Israel na capital paulista. Ele e o marido usaram o método para ter uma menina e um menino, na Índia.
Ninguém adiou ou cancelou o contrato com a Tammuz por ora, segundo Rosenblatt-Nir. Mas o psicológico de muitos está abalado. “Israel é do tamanho do Sergipe. Quase todo mundo conhece alguém envolvido no ataque ao sul [do país]. Vai levar um tempo para superar o trauma nacional.”
Ele lidera uma equipe de 25 pessoas na sede da empresa. Todos estão monitorando de perto tanto os que procuraram a gravidez por substituição quanto as mulheres que vão parir os filhos. Embora a maioria se concentre em outros cantos do mundo, há algumas delas em Israel, inclusive no sul, a região mais vulnerável.
Sete em cada dez israelenses que recorreram à agência são homossexuais, num país onde os direitos dessa comunidade oscilam. Não há casamento civil para ninguém, só religioso, e este é vetado para pessoas do mesmo sexo. Já a parentalidade LGBTQIA+ é reconhecida, com registro dos dois pais ou das duas mães na certidão. O clima, sobretudo nos centros urbanos, tende a ser amigável à diversidade sexual e de gênero.
Yoav se apaixonou pelo homem que cantava e dançava “Hit Me Baby (One More Time)”, hit da Britney Spears, “sem prestar atenção para o que as pessoas estavam pensando dele” num bar de karaokê em Ho Chi Minh, no Vietnã. Eram turistas ali, pouco antes de estourar a pandemia, quando viajaram com outros amigos israelenses. “Engraçado é que um dos caras tentou me arranjar um encontro com a irmã do Yotam, mas eu estava mais interessado no Yotam mesmo.”
Casaram-se dois anos e meio depois, e aumentar a família sempre foi o plano A. “Desde que éramos novos, sonhávamos em ser pais, por acreditar que assim cumpriríamos nosso destino. Queremos trazer crianças ao mundo para criá-las com gentileza e tolerância.”
Recentemente, conheceram a mulher que abrigará no ventre o filho que tanto desejam. Estava tudo indo bem, até a semana passada. “Ficamos surpresos com o quão mau este mundo pode ser”, diz Yoav. “Nos nossos piores pesadelos, nunca imaginamos que seres humanos iriam cometer um massacre tão horrível contra bebês, crianças, mulheres, idosos e, em geral, a população inocente.”
A sensação, afirma, é que “poderia facilmente ser a gente” no lugar das vítimas. “Foi só uma questão de sorte. Poderíamos ter perdido a vida e os sonhos.”
Não desistiram do processo, mas agora não conseguem parar de pensar. “Esta violência, inédita [para nossa geração], nos faz refletir se é este o mundo em que iremos criar os nossos filhos. Como poderemos prometer a segurança deles? Como seremos capazes de prevenir os efeitos mentais sobre eles resultantes de viverem numa área de conflito sem fim?”
Com poucas exceções, como para judeus ultraortodoxos, o jovem israelense deve passar uma temporada nas Forças Armadas. “Quando pequenos, nossos pais nos disseram que, ao completarmos 18 anos, haveria paz e não precisaríamos servir. Provavelmente diríamos o mesmo às nossas crianças, embora saibamos que a verdade é que algumas pessoas nunca aceitarão a nossa existência aqui.”