Uma pesquisa divulgada há duas semanas revela que dois terços dos jovens americanos entre 18 e 24 anos consideram os judeus –todos os judeus– uma classe opressora. Embora estes números devam ser vistos no contexto da dieta de desinformação e do declínio da educação no país, não há como negar que a guerra em Gaza provocou, em semanas, a maior convulsão vista nas universidades americanas desde a Guerra do Vietnã.
Mas a comparação, no momento, se resume à escala da agitação, não ao perfil político dos protestos ou dos manifestantes. O conflito no Vietnã produziu, na segunda metade dos anos 1960, a maior união da esquerda estudantil sob o lendária SDS (sigla do grupo Estudantes por uma Sociedade Democrática). Era uma população universitária predominantemente branca, ao contrário da que apoia a causa palestina hoje, com expressiva liderança de negros e latinos.
Se o movimento antiguerra do SDS era contra uma aventura militar que matou 58 mil americanos, quando o alistamento ainda era obrigatório, o bombardeio a Gaza conta com financiamento e apoio de Washington.
Condenar uma guerra no Sudeste da Ásia vista como um sinal de arrogância imperialista era uma causa moral com menos nuances do que o conflito do presente entre Israel e Hamas, que começou com um ataque terrorista dantesco em nome dos palestinos. Judeus progressistas nos EUA assistem, impotentes, à adesão de estudantes a uma onda de antissemitismo que não distingue Binyamin Netanyahu de milhões de judeus. Ao mesmo tempo, há um impulso repressivo que não se via nos protestos contra a Guerra do Vietnã. O discurso pró-palestinos está sendo esmagado com um autoritarismo cuja impunidade vai afetar o debate de ideias nas universidades. Palestras são canceladas, escritores são calados, críticos do bombardeio intenso são demitidos num suposto e absurdo argumento de que não há limite aceitável para o número de civis mortos para vingar o ataque do Hamas em 7 de outubro.
Um filósofo e acadêmico da Universidade de Princeton argumenta que o antissemitismo não se combate com censura ou com novas burocracias de inclusão. O professor Robert Peter George aponta para uma monocultura nas universidades que leva os estudantes a se acomodar em ortodoxias, enquanto esperam ser protegidos de qualquer perspectiva dissidente.
Em 2018, reencontrei o principal líder do SDS, o sociólogo Todd Gitlin, falecido no ano passado, para conversar sobre os 50 anos de 1968, o ano violento que ele havia analisado em livros. No meio da Presidência Trump, Gitlin estava desencantado com a capacidade de mobilização dos jovens americanos e apontou duas distinções entre os estudantes que liderou e a geração que resistia ao trumpismo. Em 1968, lembrou, os jovens acreditavam na capacidade da democracia americana de se auto-regenerar. E admitiu que havia uma fé quase ingênua na aspiração unificada à justiça social. Os jovens hoje, disse Gitlin, parecem mais interessados em ocupar ilhas e erguer fortificações em torno delas.
Mas há uma possível e preocupante semelhança entre 1968 e 2023. O desgosto com o Vietnã afastou eleitores jovens das urnas e uma diferença de apenas 88 mil votos em 4 estados deu a vitória a Richard Nixon. Pesquisas hoje mostram que os jovens estão revoltados com o apoio de Joe Biden a Israel. Será que eles vão ficar em casa e ajudar a eleger Donald Trump?
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