Desde o início da guerra Israel-Hamas, Isa Zeita, 36, só fuma, joga cartas e toma café em um tradicional ponto de encontro de trabalhadores da construção civil de um vilarejo próximo a Ramallah, na Cisjordânia. Ali ele passa os dias esperando uma ligação, uma mensagem de WhatsApp, uma informação qualquer sobre quando voltará a trabalhar.
“Naquele dia eles me ligaram a noite dizendo que não era para eu ir ao trabalho no dia seguinte, que tudo ia parar”, conta Zeita, em referência ao 7 de Outubro, o sábado em que o conflito estourou. “Liguei para meu patrão na segunda-feira, mas ele disse que não sabia quando íamos voltar a trabalhar. Desde então, ele não atende mais minhas ligações.”
Zeita, pai de quatro filhos pequenos, é um dos quase 100 mil trabalhadores palestinos que trabalhavam na construção civil em Israel até o massacre perpetrado pelo Hamas que deixou cerca de 1.400 mortos. Desde aquele dia, o governo de Binyamin Netanyahu suspendeu as permissões de trabalho para palestinos que vivem na Cisjordânia e em Gaza. Ao todo, o governo da Autoridade Nacional Palestina (ANP) estima que cerca de 140 mil pessoas estão sem trabalhar em decorrência da medida.
“Estou há quase um mês sem conseguir fazer um único centavo”, diz Zeita. “As coisas estão começando a ficar muito complicadas.”
Ele e os outros trabalhadores que passam o dia jogando cartas não estão conseguindo nem mesmo comprar o café que tomam. “Eles estão todos desempregados, o que eu posso fazer? Um dia eles me pagam”, diz Samir Saad, 70, dono do modesto café onde os agora desempregados se reúnem. “Trabalho aqui há mais de 30 anos, nunca vi uma situação assim, nem na Segunda Intifada.”
Os trabalhadores palestinos respondem por mais de 60% da mão de obra que atua no serviço mais pesado da construção civil. Os 40% restantes são trabalhadores do Leste Europeu, do Sudeste Asiático e até mesmo do extremo Oriente, como a China. Israelenses geralmente se recusam a trabalhar em postos de baixa qualificação.
“Estamos num momento muito complicado no setor. Não temos os trabalhadores necessários para que as obras sigam; de uma hora para a outra perdemos dezenas de milhares de operários”, diz Haim Feiglin, 70, vice-presidente da Associação das empresas de Construção Civil de Israel. “Nós não conseguimos ver a possibilidade de voltar a trabalhar com os palestinos nos próximos anos. Simplesmente não há mais espaço para isso depois do que aconteceu.”
Feiglin diz que o setor de construção está pressionando o governo de Israel para que libere até 100 mil vistos de trabalho, de modo que as empresas possam trazer operários de outros países para substituir os palestinos. “Nós estamos negociando com a Índia para que possamos já nesse primeiro momento contratar entre 50 mil e 100 mil operários. Não podemos ficar na situação em que estamos”, diz Feiglin.
Nem todos os operários se foram. Chineses e árabes-israelenses que têm a cidadania do país seguem trabalhando. “Em alguns lugares há alguma atividade, mas em muitos pontos, como aqui, os prefeitos decidiram proibir qualquer atividade na construção até que possamos trazer estrangeiros e garantir que não teremos palestinos. É uma decisão política”, acrescenta Feiglin.
Foi o que aconteceu em Ramat Gan, uma cidade ao lado de Tel Aviv. Ali a prefeitura suspendeu todas as atividades ligadas à construção. “As pessoas estão assustadas, apavoradas, não podem nem ao mesmo ouvir alguém falar em árabe e estão pressionando os governos locais”, conta o líder setorial.
A empresa de Feiglin está construindo três edifícios, com 180 apartamentos, vendidos por cerca de US$ 1 milhão cada um. Nos arredores das obras, vizinhos se dizem aliviados com a suspensão das atividades. “Acabou, não há mais espaço para eles aqui. Teremos que trazer pessoas de outros lugares. Não há mais como termos palestinos entre nós”, afirma Avi, 65, que não quis dizer o sobrenome à reportagem.
Como muitos outros, ele descarta a possibilidade de haver qualquer coexistência com os palestinos, mesmo com aqueles que vivem na Cisjordânia. “Agora temos que achar pessoas que queiram vir aqui para trabalhar, que não queiram casar, viver, ter uma vida aqui. Temos que achar quem entenda que isso é trabalho.”
A decisão do governo israelense em suspender o visto de trabalho dos palestinos deve provocar impactos devastadores na economia da Cisjordânia. “É uma tragédia. Nossa capacidade de consumo deve cair quase 50%; os salários pagos em Israel eram parte extremamente importante no PIB”, diz Samir Huleileh, economista e ex-secretário do gabinete do primeiro-ministro da ANP.
Huleileh estima que com o fim da possibilidade de trabalho em Israel, a taxa de desemprego na Cisjordânia possa chegar a níveis similares aos de Gaza antes de a guerra começar. Em 2022, a estimativa era de que quase 45% da população economicamente ativa de Gaza estava desempregada. “Isso só vai tornar as coisas mais difíceis. Vai trazer mais pobreza, mais reações violentas. Eu realmente espero que o governo de Israel reveja essa posição.”
Além dos operários da Cisjordânia que perderam o direito ao trabalho, outros 10 mil trabalhadores de Gaza também ficaram sem emprego. Cerca de mil deles estavam em Israel quando os ataques aconteceram e agora estão abrigados em alojamentos em diferentes cidades da Cisjordânia, sem emprego e sem a possibilidade de retornar para suas famílias em Gaza
No pequeno café em que Isa Zeita passa seus dias nos arredores de Ramallah há um misto de desespero e resignação. Muitos não sabem como vão conseguir dinheiro para sustentar suas famílias com a súbita perda do trabalho. Mas, de alguma forma, parecem aceitar a ideia de que as coisas agora são diferentes de outras crises do passado.
“O que podemos fazer? Só Deus sabe o futuro que nos está reservado. Vamos esperar”, diz Zeita.