Há tão pouca comida em algumas áreas do Sudão que as pessoas estão tomando medidas extremas para sobreviver. No campo de refugiados de Al Lait, elas estão comendo terra.
O acampamento empobrecido localizado na província de Darfur do Norte viu uma nova onda de pessoas deslocadas à medida que a guerra civil que já dura um ano no país trouxe os combates para grandes áreas do país e uma campanha de limpeza étnica para Darfur.
Garang Achien Akok é um dos milhares de novos chegados na área. Ele, sua esposa e seus cinco filhos abandonaram sua casa na região sul de Kordofan depois que combatentes árabes em camelos invadiram sua aldeia e incendiaram sua cabana.
Akok, 41, chegou a Al Lait em dezembro, mas não tem trabalho e não consegue alimentar a família. Às vezes, passam dois ou três dias sem comer. Quando isso acontece, diz, ele assiste impotente enquanto sua esposa e filhos cavam buracos no chão com um pedaço de pau, deslizam as mãos e pegam um pouco de terra. Em seguida, eles enrolam a terra em uma bola, colocam-na na boca e engolem com água.
“Eu continuo dizendo a eles para não fazerem isso, mas é a fome. Não há nada que eu possa fazer.”
A fome e a desnutrição estão se espalhando pelo Sudão, à medida que a guerra que eclodiu em abril do ano passado entre o Exército sudanês e as Forças de Apoio Rápido (RSF) não dá sinais de diminuir. A perspectiva é sombria, de acordo com entrevistas com mais de 160 civis envolvidos nos combates e mais de 60 trabalhadores humanitários e especialistas em segurança alimentar. Repórteres da Reuters também passaram quase uma semana em Omdurman no mês passado, uma das três cidades que compõem a capital, Cartum, entrevistando pessoas que sofrem com grave escassez de alimentos.
Partes do Sudão estão à beira da fome —uma crise iminente causada pelo homem. A agricultura foi devastada, pois os agricultores tiveram suas colheitas roubadas pelas RSF e fugiram de suas terras devido à violência. A fome, não apenas a luta, está agora impulsionando o deslocamento à medida que as pessoas deixam suas casas em busca de comida.
A malária e outras doenças estão se espalhando entre os deslocados. Os principais centros de ajuda foram saqueados pelas RSF e por grupos paralimitares aliados. E a ajuda internacional que chega ao Sudão está sendo bloqueada pelo Exército para chegar às pessoas em áreas onde a fome se instalou.
“A guerra do Sudão criou a maior crise de fome do mundo”, afirma Anette Hoffmann, autora de um relatório sobre a emergência alimentar no Sudão pelo think tank Clingendael, com sede na Holanda. “Provavelmente veremos uma fome que não vimos em décadas.”
O Exército sudanês e as RSF não responderam a perguntas detalhadas para esta reportagem. O Ministério das Relações Exteriores do Sudão, parte do governo liderado pelos militares, disse que está comprometido em facilitar a entrega de ajuda e acusou as RSF de saquear e bloquear a ajuda. O tenente-general Ibrahim Jaber, o segundo no comando do exército, disse que o Sudão “não passará fome” e tem “mais do que precisa”.
As RSF negaram o saque, dizendo que qualquer agentes desonesto em suas fileiras será responsabilizado, e culparam o Exército por obstruir a entrega de ajuda.
Pessoas em todo o Sudão estão tomando medidas cada vez mais desesperadas para sobreviver. Em Darfur Ocidental, agricultores cujas terras foram saqueadas pelas RSF comeram as sementes que compraram para plantar porque ficaram sem comida. Na região de Kordofan, as pessoas venderam seus móveis e roupas para conseguir dinheiro para comida. Em Cartum, os residentes sitiados em suas casas arrancaram as folhas das árvores, ferveram e comeram.
Quase 18 milhões de pessoas no Sudão —mais de um terço dos 49 milhões de habitantes da nação— enfrentam “níveis elevados de insegurança alimentar aguda”, de acordo com a Classificação Integrada da Segurança Alimentar (IPC), um monitor globalmente reconhecido da fome.
O IPC também estima que, deste grupo, quase cinco milhões de pessoas estão a um passo da fome. Ação imediata é necessária para “evitar mortes generalizadas e colapso total dos meios de subsistência e evitar uma crise de fome catastrófica no Sudão“, disse o IPC em março. O grupo acrescentou que não conseguiu atualizar uma projeção feita em dezembro devido a lacunas de dados em áreas de conflito e interrupções de internet e telefone em grande parte do país.
O relatório Clingendael desenhou três possíveis cenários para o Sudão. O mais otimista projetou que 6% da população enfrentará a fome. No pior caso, 40% das pessoas enfrentariam a fome durante o período de escassez entre as colheitas, que começa em maio e vai até setembro.
Em alguns lugares, as pessoas já estão morrendo. A ONG Médicos Sem Fronteiras relata que uma criança está morrendo em média a cada duas horas no vasto campo de pessoas deslocadas de Zamzam, em Darfur do Norte, como consequência doenças e desnutrição.
Apesar da crise alimentar aprofundada, a situação no Sudão tem recebido menos escrutínio internacional do que outras emergências humanitárias em lugares como Ucrânia e Gaza. Alguns observadores chamaram o conflito no Sudão de “a guerra esquecida”.
“Nosso maior desafio é o financiamento e a falta de atenção ao Sudão”, diz Chessa Latifi, assessora sênior de programas de saúde global na organização humanitária Project Hope. “As pessoas estão tão envolvidas na Ucrânia e em Gaza que não há espaço para ninguém pensar, estar aberto para ouvir e saber sobre o Sudão.”
A pressão internacional sobre as partes em conflito falhou até agora em quebrar o impasse na ajuda. Isobel Coleman, administradora adjunta da USAID, a agência de ajuda do governo dos Estados Unidos, disse que o chefe do Exército sudanês, o general Abdel Fattah al-Burhan, e o líder das RSF, General Mohamed Hamdan Dagalo, são responsáveis pela dificuldade de fazer a ajuda chegar às pessoas.
“Essa ameaça iminente de fome recai sobre eles”, disse ela à Reuters. “As pessoas estão literalmente morrendo diariamente por falta de acesso a alimentos e outros itens essenciais.”