O clima de indecisão e temores de ruptura democrática se mantêm na Guatemala neste domingo (14), data em que o presidente eleito, Bernardo Arévalo, deve tomar posse do cargo. A cerimônia deveria trazer algum alívio para as instituições democráticas da região, onde o autoritarismo ganha espaço.
Manifestantes ameaçaram invadir o Congresso da Guatemala depois que uma sessão para empossar legisladores recém-eleitos foi adiada. O episódio levantou dúvidas acerca da cerimônia mais importante do cronograma, a posse de Arévalo, embora ele tenha afirmado, segundo a imprensa local, que o rito seria mantido.
Segundo ele, aqueles que atrapalham as cerimônias estão “tentando violar a democracia com ilegalidades”.
Por volta das 16h (horário local) os chanceleres presentes na posse de Arévalo foram convocados para uma reunião urgente com o ministro das Relações Exteriores da Costa Rica, Arnoldo André. Segundo a imprensa local, será discutido uma forma de assegurar a posse de Arévalo.
O impasse com os deputados se dá em decorrência de uma decisão judicial deste domingo que determina que os legisladores do Semilla, o partido de Arévalo, assumam seus cargos como independentes, não sob o signo da legenda, suspensa pela Justiça em agosto do ano passado.
O cenário de incertezas e de insegurança jurídica, que marcou a cena política da Guatemala desde a vitória eleitoral de Arévalo, gerou todo o atraso. O Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) havia suspendido a inabilitação do Semilla, mas posteriormente, no início de novembro, confirmou-a.
Se conseguir assumir o cargo, o centro-esquerdista será finalmente declarado presidente após ser eleito em segundo turno em agosto do ano passado quando surpreendeu a todos. Sociólogo e ex-diplomata, Arévalo, 65, era considerado um azarão no pleito disputado contra a ex-primeira-dama Sandra Torres.
A perseguição judicial que antecedeu sua posse e buscou impedi-lo de assumir o comando do país da América Central fez com que diversos governos entendessem que enviar representantes à posse seria uma maneira importante de ecoar uma mensagem de apoio à democracia.
Estão presentes na cerimônia, entre outros, os presidentes Gabriel Boric (Chile) e Gustavo Petro (Colômbia), além do rei da Espanha, Felipe 6º, e do chefe da diplomacia da União Europeia, o espanhol Josep Borrell. O Brasil foi representado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que embarcou rumo à Cidade da Guatemala na manhã deste domingo.
Também consta entre os presentes o diplomata brasileiro Benoni Belli, escolhido pelo governo Lula (PT) para representar o Brasil na OEA (Organização dos Estados Americanos), que enviou uma pequena delegação à posse, também em uma mensagem de apoio ao rito democrático. A OEA foi um dos organismos que alertou sobre o risco de golpe no país.
Arévalo prometeu que trabalhará para encerrar o que chamou de “um período tenebroso” de “cooptação corrupta do sistema político”. No X, em um vídeo, disse que, “apesar de todas as tentativas de grupos corruptos de impedir que a vontade popular fosse escutada, no dia de hoje a Constituição será honrada e haverá uma mudança”. “Estamos falando sobre o futuro com todas as delegações [estrangeiras], que demonstraram muita vontade de nos apoiar nesse processo de desenvolvimento que queremos fazer.”
Nos meses seguintes às eleições, a procuradora-geral Consuelo Porras, uma figura vista como aliada do agora ex-presidente Alejandro Giammattei, buscou retirar sua imunidade por suposta relação dele com a ocupação da Universidade de San Carlos, que durou de maio de 2022 a junho de 2023, e na qual teriam sido cometidos delitos.
Os movimentos levaram não apenas milhares de moradores às ruas para protestar, em muitos atos que eram conduzidos por indígenas locais, como também despertaram a atenção de outros países, que criticaram as medidas, entre eles Estados Unidos e o próprio Brasil.
Assim, tomar posse não é o único desafio de Arévalo. Cientistas políticos já calculam sua complicada vida no Congresso. Isso porque, apesar de sua vitória representativa com 58% dos votos, seu partido conseguiu apenas 23 das 160 cadeiras do Legislativo unicameral.
O partido conservador Vamos, de Giammattei, e o UNE, da ex-primeira-dama Sandra Torres, podem assim barganhar juntos vitórias e atrapalhar os planos do governo.
O Semilla tem origem no que alguns chamaram de “primavera guatemalteca”, protestos contra a corrupção política no país, revelada por um órgão de investigação apoiado pela ONU.
A Guatemala que Arévalo deve herdar ocupa o 30º lugar entre 180 países no ranking de corrupção da Transparência Internacional e tem 60% de seus 17,8 milhões de habitantes vivendo na pobreza, um dos índices mais altos da América Latina.
A situação leva um número cada vez maior de guatemaltecos a deixarem o país, e o destino de muitos são os Estados Unidos. Desde 2020, eles foram a segunda nacionalidade a mais tentar cruzar a fronteira sul do país, com o México, correspondendo a 12% dos migrantes ali encontrados pela Patrulha da Fronteira americana. Somente no último ano fiscal (de outubro de 2022 a setembro de 2023), foram mais de 213 mil cidadãos da Guatemala.
O imbróglio pós-eleições na Guatemala
25.jun.23 Arévalo surpreende e vai ao 2º junto com Sandra Torres
2.jul.23 Suprema Corte pede anulação dos resultados do 1º turno por suspeitas de irregularidade, mas TSE confirma que haverá 2º turno
12.jul.23 Tribunal ordena suspensão do Semilla, partido de Arévalo; Supremo reverte a decisão mas depois volta atrás
20.ago.23 Surpresa no 1º turno, Arévalo é eleito presidente
25.ago.23 Líder eleito diz ser alvo de plano de assassinato
14.set.23 Arévalo interrompe transição após procuradores abrirem caixas de votação
16.nov.23 Ministério Público afirma que vai pedir a retirada da imunidade do presidente eleito
14.jan.24 Arévalo tenta tomar posse, mas cerimônia é atrasada em meio a manifestações