‘Guardião’ das bandeiras do Itamaraty – 12/10/2024 – Mônica Bergamo – EERBONUS
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‘Guardião’ das bandeiras do Itamaraty – 12/10/2024 – Mônica Bergamo

João Batista Martins da Silva, 67, tem o mundo em sua sala de trabalho. Instalado no andar térreo do Palácio do Itamaraty, em Brasília, ele é uma espécie de guardião das 11.107 bandeiras do Ministério das Relações Exteriores (MRE).

Países de todo o globo e organizações internacionais estão contemplados no acervo e têm um espaço reservado em seus escaninhos. Usadas em solenidades e em agendas oficiais do Itamaraty, as bandeiras também são emprestadas a órgãos do governo e levadas ao exterior quando há uma viagem do presidente da República.

“Quando o Lula está falando e você vê aquelas bandeiras, ali, em parte, está o Batista”, brinca, citando o sobrenome pelo qual é conhecido entre seus colegas de Itamaraty.

Nascido em Caxias, no Maranhão, Batista deixou sua cidade natal aos 14 anos e rumou para a capital federal, recém-inaugurada, por vontade do pai caminhoneiro e da mãe dona de casa. “De lá, só tenho o registro. Formei família, tudo aqui”, diz sobre Brasília.

Tendo completado só até o segundo grau do ensino médio, chegou ao Itamaraty pela primeira vez em 1987, para trabalhar em uma das antigas gráficas do órgão. “Mas aí, na época do [ex-presidente Fernando] Collor, ele mandou demitir todo mundo que não era concursado.”

O maranhense passou uma temporada no Ministério da Saúde, e só retornou ao MRE em 2010. Foi então que as bandeiras surgiram em sua vida. “Um coordenador da época falou: ‘Batista, preciso de você lá na sala de bandeiras’. E eu disse: ‘Mas eu não entendo nada de bandeira’. Realmente, não entendia, mas me jogaram aqui”, relembra, rindo.

Desde então, ele já viu passar pelo Itamaraty oito chanceleres, indo de Celso Amorim ao atual ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Por seus serviços, foi agraciado com a Ordem de Rio Branco, concedida pela pasta em que trabalha, e com a Medalha da Vitória, entregue pelo Ministério da Defesa.

A gestão de Ernesto Araújo, que ocupou o posto de chanceler por pouco mais de dois anos no governo de Jair Bolsonaro (PL), é descrita por Batista como um período tortuoso para suas bandeiras.

“Primeiro que o presidente não recebia ninguém nem ia a lugar algum. As bandeiras ficaram paradas nesses anos dele. A gente só levantava a nossa bandeira na frente do palácio, que é de praxe”, lamenta.

“Foi por isso que a gente botou uma cortina [na sala], para não queimar de sol, e pedimos para botar esse ar-condicionado para refrescar a sala, para não dar barata, mosca e mofo. Quando o presidente Lula assumiu, nos dois primeiros meses eu trabalhei mais do que nos quatro anos do antigo presidente.”

Batista não esconde sua predileção pelo petista, a quem cita como responsável por um dos dias mais marcantes que viveu no palácio projetado por Oscar Niemeyer. “Eu estava no corredor, e ele saiu abraçando todo mundo. Inclusive a mim”, conta, sorridente, sobre uma passagem ocorrida em 2023.

Barack Obama é outro nome exaltado pelo recepcionista. “Fiquei do lado dele!”, diz, empolgado, ao lembrar da visita do então presidente dos EUA ao Brasil em 2011.

“Tinha muito segurança nesse dia, e a gente precisava ajudar no terceiro andar [onde Obama estava]. A secretária [diplomata do Itamaraty] falou: ‘Batista, vem cá. Toma esse pin preto [de identificação, que dava acesso ao espaço] que eu quero você aqui’. A gente ficava levando as coisas com mais moral ainda”, afirma, enérgico.

“Quando o Obama e a Michelle [Obama] passaram no corredor, a gente sabia que eles eram umas das autoridades mais altas do planeta. Mas se ele olhasse para você, cumprimentava de longe, dava um bom dia. É isso o que marca a gente.”

“Não tinha aquela altivez, igual… Infelizmente —e eu tive a oportunidade de ver de perto—, não sei se é o jeito dele, mas o nosso ex-presidente era grosso. Se ele estivesse aqui no corredor e visse alguém graduado, ele até cumprimentava. Se fossem os outros, ele passava até por cima e nem falava nada”, completa, em referência a Bolsonaro.

Em sua diminuta sala, que Batista estima medir cerca de 4 metros de largura por 15 metros de comprimento, ele se move com destreza e sabe de cor onde encontrar bandeiras de todos os países.

Com a ajuda de uma escada, esmiúça os escaninhos que guardam desde acervos mais numerosos, como os de Argentina, Itália e Japão, visitantes mais frequentes do Brasil, aos mais escassos, como Moldávia e Madagascar.

Ali são encontradas bandeiras e flâmulas variadas de 283 títulos diferentes, incluindo países, organismos internacionais e bandeiras de autoridades —como a do presidente da República, por exemplo.

Entre os mais de 11 mil itens, há 2.185 bandeiras de mesa, 5.994 bandeiras de meio pano (um pano tem 45 centímetros de largura, segundo decreto que define o tamanho das peças), 1.081 de dois panos, 1.226 de três panos, 378 de quatro panos e 243 de sete panos. Os dados foram compilados pelo próprio Batista, que organiza e cuida do patrimônio com a ajuda de uma planilha.

Diante do volume expressivo, e cada vez maior, uma demanda se tornou inevitável: o recepcionista diz precisar de um pouco mais de espaço para suas bandeiras. “A gente já está guardando dois países no mesmo lugar”, conta, alarmado.

Na sexta-feira (11), Batista preparava três malas diplomáticas para serem despachadas com destino a Kazan, na Rússia, com itens e bandeiras que serão usados pela delegação brasileira durante a cúpula do Brics, na próxima semana. Em sua sala, uma caixa metálica recém-chegada do México, com mais de duas dezenas de bandeiras levadas à posse da nova presidente do país, Claudia Sheinbaum, ainda será desfeita por ele.

Quando a Sala dos Tratados do Itamaraty é requisitada para a assinatura de um acordo entre chefes de Estado, é Batista quem organiza as bandeiras posicionadas em frente ao painel assinado por Athos Bulcão. O mesmo acontece em todos os outros espaços que demandam a presença delas.

“Se vierem países diferentes [no mesmo dia], a gente tem que tomar cuidado para nenhum ver a bandeira do outro, para não ter aquele choque. Essa daqui mesmo, vixi” —diz, apontando para a bandeira da Coreia do Sul— “não pode juntar com a outra [do Norte].”

Apesar do traquejo diplomático adquirido nos últimos 14 anos, Batista diz que já passou por apuros. “Uma vez, tive que tirar da mesa uma bandeira dos EUA. Por quê? Por incrível que pareça, uma das estrelas ficou coberta pelo mastro. Eles contaram e falaram que estava errado, só tinham 49 estrelas. ‘São 50’. Mandaram tirar por causa disso.”

“Outra foi essa aqui”, diz, apontando para a bandeira da Arábia Saudita. “Eles chegaram e falaram para o secretário: ‘Pode tirar nossa bandeira que está errada’. O secretário me chamou. Nós entramos no Google, vimos uma a uma, e estava tudo igual. Sabe o que era? Quando ela está em repouso, não pode ficar com a espada virada para cima.”

Hoje, 16 órgãos públicos estão com bandeiras que foram emprestadas por Batista. Flâmulas usadas na Esplanada dos Ministérios em ocasiões especiais e por batedores que escoltam autoridades também saem de lá.

Até mesmo o STF (Supremo Tribunal Federal) já lançou mão do acervo do recepcionista para um evento do G20 neste ano. “Você vê: eles têm cerimonial, mas não têm bandeiras”, brinca.

Batista não esconde o orgulho que sente pela vida que construiu por meio de seu trabalho no Itamaraty. “Meus filhos falam inglês, todos os três”, destaca. Graças à prole, já visitou a Austrália, onde mora um deles, e ganhou uma viagem para a Disney, nos EUA.

Entre tantos diplomatas que já conheceu, conquistou a afeição até mesmo dos menos simpáticos. “Tem um embaixador aqui que tem gente que não gosta. Mas se ele passar ali no corredor, me abraça”, diz, sorridente. “Eu me sinto realizado. Apesar de não ter terminado o terceiro grau, a maioria dos diplomatas me trata no mesmo nível. Tenho o maior carinho por eles, e acho que eles têm por mim também.”

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