O governo Lula (PT) apoiou o empréstimo de US$ 960 milhões (R$ 4,74 bilhões) do CAF, banco de desenvolvimento da América Latina e Caribe, para a Argentina, em um aceno de pragmatismo ao presidente ultraliberal Javier Milei.
Diante da crise econômica enfrentada pelos argentinos, o empréstimo-ponte foi aprovado pela diretoria do CAF nesta sexta-feira (15) por unanimidade entre os 21 votos possíveis.
O Brasil possui um voto, enquanto outros cinco países (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela) possuem dois votos.
Segundo fontes a par das discussões, a saúde econômica da Argentina é considerada como imprescindível para o Brasil por causa das estreitas relações comerciais entre os dois países.
De janeiro a outubro deste ano, o superávit comercial do Brasil com o país vizinho chegou a US$ 4,75 bilhões. No período, as vendas para os argentinos cresceram 12,5% e atingiram US$ 14,9 bilhões, enquanto as importações caíram 7,1% e chegaram a US$ 10,15 bilhões.
Além do interesse de que a Argentina não sucumba à crise econômica, o gesto também é visto como uma tentativa de o Brasil demonstrar pragmatismo nas relações com o novo presidente, que tomou posse no último domingo (10).
Até então, havia um clima de desconfiança do lado brasileiro. Isso porque durante a campanha eleitoral Milei disse que não negociaria com o presidente Lula e chamou o mandatário brasileiro de “corrupto” e “comunista”.
Desde que foi eleito, o ultraliberal mudou de postura. O principal gesto de conciliação foi a decisão de Milei de enviar a então futura chanceler argentina, Diana Mondino, a Brasília. Na ocasião, Mondino entregou um convite para que o chefe do Executivo brasileiro comparecesse à posse em Buenos Aires.
Mesmo com o gesto, Lula decidiu que o representante brasileiro seria o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.
O financiamento obtido via CAF será usado pelos argentinos para pagar parte da dívida com o FMI (Fundo Monetário Internacional) —um montante de US$ 912 milhões (em torno de R$ 4,5 bilhões) precisa ser quitado até a próxima quinta-feira (21).
O crédito evitará que a Argentina entre em uma situação de inadimplência com o FMI, abrindo caminho para eventual renegociação. O acordo foi firmado durante o governo de Mauricio Macri e renegociado várias vezes pelo ex-presidente Alberto Fernández, totalizando hoje US$ 44 bilhões (cerca de R$ 220 bilhões).
A nova equipe econômica argentina, liderada pelo ministro Luis Caputo, ganhou tempo para tentar chegar a novos termos com o FMI.
Na reunião que selou o empréstimo do CAF, o representante argentino comentou com os outros participantes que os membros do novo governo estão tendo agora a dimensão do “tamanho do estrago” que terão de enfrentar para reestruturar a economia do país.
Nos primeiros dias de governo, Milei anunciou um amplo pacote de medidas econômicas. O Banco Central da Argentina decidiu manter a taxa básica de juros em 133% ao ano, abaixo da inflação, e encarecer em 2% ao mês a cotação do dólar oficial, usado por instituições financeiras, bancos e empresas em transações de grande volume.
Além da desvalorização do peso, o duro plano de Milei inclui suspender todas as novas obras públicas, reduzir subsídios de energia e transporte (a partir de 1º de janeiro), enxugar repasses às províncias e liberar importações.
No entanto, ele planeja aumentar temporariamente impostos a importadores e exportadores, o que deve afetar o comércio regional no curto prazo.
No novo empréstimo, tomado a uma taxa de juros de 5,72% ao ano de acordo com a normativa do CAF para operações de risco com garantia soberana, a Argentina terá até 12 meses de prazo para honrar o compromisso. Enquanto não honrar a dívida assumida nesta sexta, o país não poderá tomar novos financiamentos com a instituição.
Durante o encontro, segundo relatos, os participantes alertaram sobre a importância de a Argentina cumprir as obrigações assumidas com o banco, escolhido justamente por ter uma estrutura mais dinâmica, já que foi constituído com o objetivo de ajudar países em situação de emergência.
Os argentinos chegaram a ter conversas com outros bancos multilaterais, como BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Banco Mundial, além do próprio FMI, antes de avançar na negociação com o CAF.
O pedido de empréstimo-ponte à instituição financeira foi feito na última terça (12) por meio de uma carta assinada por Caputo. O CAF, então, convocou os países acionistas do banco para apreciar a solicitação.
O Brasil possui 8,8% do capital da instituição e é seu quarto maior acionista, atrás de Colômbia, Peru e Argentina. O CAF é um banco multilateral de desenvolvimento hoje com uma carteira ativa de mais de US$ 4 bilhões de empréstimos para o Brasil.