Quando o assunto Brasil é colocado nesta conversa por videoconferência, Edmundo González se levanta e caminha até a estante. “Quero te mostrar a capa de um livro que produzimos, estou buscando, só um minuto”, diz o diplomata de 74 anos que, após uma série de tensões e vaivéns, foi o nome escolhido pela oposição para enfrentar Nicolás Maduro nas urnas em 28 de julho.
Trata-se de “Brasil, Cercano y Lejano” (Brasil, perto e longe), compilado de acadêmicos que ele organizou para uma universidade privada do país. “Por muito tempo fomos países que compartilhavam uma extensa fronteira, mas estavam de costas um para o outro”, diz o venezuelano.
González quer “uma relação fluida com o Brasil”, “independente da cor que tiver o governo”. De sua casa na capital Caracas, ele corre de um compromisso para o outro desde abril. Foi naquele mês que ele se tornou o candidato da principal força da oposição nas urnas.
Antes disso, o diplomata coordenava a área de política internacional da Plataforma Unitária, a principal coalizão de partidos opositores na Venezuela. “As sondagens que têm chegado trazem notícias muito boas, e estou muito emocionado, ainda que não caia em triunfalismo, porque isso é o pior que se pode fazer”, diz no início da entrevista.
Duas das únicas pesquisas de intenção de voto realizadas por telefone consideradas confiáveis no país mostram González com mais de 30% de apoio. Maduro pontua ao redor de 25%.
Mas o candidato crê que há chances concretas de que as eleições sejam transparentes? González dá a entender que a oposição está fazendo sua parte, mas não pode colocar a mão no fogo pelo regime. “Estou dando tudo o que minhas capacidades me permitem para levar uma mensagem de reconciliação, reconstrução e paz.”
Ele afirma que o presidente Lula (PT) é uma das peças-chaves do xadrez internacional para a Venezuela e que o petista precisa insistir para que Maduro aceite ter observadores internacionais no pleito. Há poucas semanas, o regime retirou o convite feito para que a União Europeia (UE) enviasse seus observadores.
Em Brasília, a visão predominante é a de que deve haver observação independente. Mas também a de que há pouco a fazer no imbróglio UE-Caracas, que deve ser resolvido entre as duas partes. O regime argumenta que enquanto o bloco europeu não derrubar as sanções que mantém contra alguns líderes venezuelanos, não haverá conversa.
Enquanto González se reúne com diferentes grupos de interesses e concede entrevistas de modo a tornar sua figura, até então conhecida apenas nos bastidores, mais familiar no país e no exterior, é a ex-deputada María Corina Machado quem percorre o país em grandes atos. Nome mais conhecido da oposição atualmente, ela que deveria enfrentar Maduro a princípio, mas foi inabilitada pelo regime.
À Folha seis semanas antes do pleito, González fala sobre relações com Brasil e Colômbia, o papel dos Estados Unidos e o espaço que o petróleo terá na economia em um eventual governo seu.
Li as pesquisas que o senhor mencionou. São de fato positivas para a oposição. Mas há chances reais de eleições democráticas?
Estamos trabalhando como se as eleições fossem amanhã e dando o nosso melhor, dando tudo. Quando digo tudo, quero dizer que minhas atividades começam às 7h da manhã e terminam às 20h ou 21h. Ontem, por exemplo, tive um encontro com professores universitários, outro com um partido de esquerda venezuelano, depois uma reunião com empresários. Estou me reunindo com o maior número de setores possível e dando o meu máximo para transmitir a mensagem de reconciliação, de reconstrução do país. Convido todos a se juntarem a essa grande tarefa nacional de realizar eleições pacíficas e com alta participação.
Vamos falar um pouco sobre política externa. Na América do Sul temos o Brasil, com Lula, e a Colômbia com Gustavo Petro, muito envolvidos com o tema das eleições. Qual é o papel deles?
O papel mais importante que dois atores-chave da política regional podem desempenhar é insistir com o presidente Maduro para que aceite a observação internacional, retomando o convite da UE, que é fundamental. Precisamos ter a maior participação internacional de observadores que venham acompanhar o processo, porque é isso que garante a integridade dos resultados. Os argumentos dados para desconvidar a UE deixam uma impressão muito ruim e levantam especulações, fazem as pessoas se perguntarem ‘bem, por que agora não querem que a UE venha?’, ‘do que têm medo?’.
Há uma compreensão de que, como a UE impôs sanções, não pode enviar observadores porque não seria parte neutra.
Sanções contra alguns indivíduos, não contra a Venezuela, e por razões conhecidas. Lula está muito interessado e fez declarações muito importantes e positivas sobre o tema eleitoral na Venezuela, e o próprio assessor [da Presidência brasileira para assuntos internacionais] Celso Amorim também tem estado muito atento. Não acredito que compartilhem da visão de que observadores internacionais não devem vir. Esta não é a visão de Lula.
Se conseguir ser presidente, que tipo de relação quer ter com o Brasil, com o governo Lula?
A melhor relação. Depois desse período em que nos encontrávamos distantes um do outro, foi crescendo uma relação diplomática e comercial muito fluida, importante. Chegamos a ter comissões de trabalho em milhares de campos de atuação, conseguimos propostas de interconexões elétricas, aumentamos o comércio, havia coincidências nos temas centrais da agenda da política mundial. E tínhamos uma relação muito fluida com os governos, independentemente da cor que tivessem, podia ser Lula, Collor… Enfim, tínhamos uma relação como deve ser e como será: relações diplomáticas cordiais com base no entendimento, na cooperação, no respeito com todos os países do mundo, e, claro, muito mais com países vizinhos com quem temos esse interesse compartilhado.
O regime tem o costume de falar de uma suposta relação dos EUA com a oposição, e gostaria de esclarecer esse tema. Qual é a relação que os EUA têm com a campanha da oposição e qual é a sua importância na garantia da democracia na Venezuela?
Nós temos relações neste momento interrompidas com os EUA, já há dez anos. Isso repercute em muitos âmbitos. Do ponto de vista prático, aqui não podemos tirar um visto para entrar nos EUA porque não há consulado. Então temos que ir buscar os vistos no Brasil, na Argentina, na Colômbia, com tudo o que isso implica para uma pessoa em termos de tempo, custo, recursos.
Nós por muitos anos tivemos uma relação séria com os EUA. Havia encontros, diálogo político, cooperação. E [também] momentos em que tínhamos discordâncias sobre alguns temas da agenda internacional, por exemplo em relação às Malvinas na Argentina, ou à pacificação na América Central e ao comércio com a União Europeia. Aí tínhamos visões contraditórias, mas isso não impediu que tivéssemos relações de cooperação e de diálogo muito, mas muito fluidas e eficazes. Isso é o que nós temos que recuperar.
O sr. é diplomata, um candidato político agora, e também marido, pai, avô. Como a ditadura de Maduro afetou sua vida a nível pessoal?
Tive toda minha vida profissional dedicada ao serviço exterior. Depois tive uma passagem de um par de anos no âmbito acadêmico. Em seguida, me dediquei ao trabalho internacional da Mesa de Unidade Democrática. A candidatura foi inesperada, algo que eu não busquei, que aceitei como um compromisso pessoal com a restituição dos valores democráticos na Venezuela. Os partidos políticos me pediram de maneira unânime que eu fosse o candidato. Estou fazendo o maior esforço possível. Neste país, o que precisamos é que o adversário político seja visto como adversário, não como um inimigo.
Num eventual governo da oposição, quais seriam os planos para o petróleo agora que temos um debate sobre a mudança climática muito forte no mundo?
O petróleo é um fator e um elemento-chave na economia venezuelana e continuará sendo por muito tempo. Mas te asseguro que serão levados em conta as questões da preservação, da ecologia e do respeito aos temas da mudança climática.
Raio-X | Edmundo González Urrutia, 74
Diplomata venezuelano, serviu como embaixador na Argélia no início dos anos 1990 e na Argentina entre 1998 e 2002, nos anos iniciais de Hugo Chávez (1954-2013) no poder. Escritor e professor universitário, coordenou a área de relações exteriores da coalizão opositora. Casado, tem dois filhos e quatro netos. É o nome da oposição à Presidência.