“O Brasil está de volta”, prometeu o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a multidões entusiasmadas na cúpula climática COP27, no Egito, há dois anos. Tendo derrotado seu rival de extrema direita, Jair Bolsonaro, e recuperado o poder após mais de uma década fora do cargo, o petista queria sinalizar não apenas o próprio retorno, mas o desejo de devolver o gigante sul-americano ao palco global.
Durante os dois primeiros mandatos de Lula, e antes que escândalos de corrupção manchassem sua reputação, o ex-metalúrgico foi celebrado como uma estrela internacional. Em uma das primeiras reuniões do G20, em 2009, o então presidente dos EUA, Barack Obama, o apelidou de “o político mais popular da Terra”. Naquele mesmo ano, o Brasil também cofundou o bloco Brics, de nações em desenvolvimento.
Agora, o Brasil —e Lula— estão de volta aos holofotes. Na segunda (18), o presidente receberá os líderes do G20 no Rio de Janeiro, em uma série de cúpulas internacionais de alto nível que estão por vir. Em algum momento do ano que vem, o Brasil receberá o Brics ampliado de países emergentes. Em novembro de 2025 também sediará a conferência anual da ONU sobre o clima no porto amazônico de Belém.
O retorno de Lula ao centro do palco global diz muito sobre a mudança da geopolítica da era, à medida que a crescente competição por influência entre os EUA e a China gradualmente ofusca um sistema de instituições internacionais antes dominado por Washington.
O novo ambiente abriu espaço para um grupo de potências de médio porte, muitas delas não formalmente alinhadas —entre elas Brasil, Turquia, Indonésia e os Estados do Golfo, bem como a Índia. Muitos desses governos estão tentando expandir sua influência internacional, em parte, jogando com os EUA e a China e, em alguns casos, com a Rússia.
Mas os esforços do Brasil para aproveitar a mudança no cenário geopolítico também enfrentam desafios. A tentativa de Lula de atuar como uma potência regional e mediar a crise política na Venezuela fracassou.
O Brasil, que se orgulha de sua própria transição de ditadura para democracia, está desconfortável com os esforços da Rússia e da China para tornar o Brics mais abertamente antiocidental. E a eleição de Donald Trump nos EUA deverá complicar o plano do presidente Lula de destacar sua diplomacia climática.
O Brasil está buscando implementar agora essa estratégia de multialinhamento em um ambiente global muito incerto. O país, dizem analistas, agora se vê tendo de navegar em um cenário internacional muito mais complicado, no qual sua tradicional neutralidade pode ser pressionada de todos os lados. “O Brasil está se protegendo. Está em cima do muro”, diz Oliver Stuenkel, especialista em política externa da Fundação Getulio Vargas do Brasil, sobre a abordagem em relação à China e aos EUA.
“O Brasil busca implementar essa estratégia de multialinhamento em um ambiente global muito incerto”, acrescenta. “Sua principal fonte de poder, a capacidade de navegar em fóruns multilaterais, está sob tanta pressão que essa estratégia de multialinhamento se tornará mais desafiadora e talvez mais custosa.”
No início de seu terceiro mandato, Lula enfrentava uma luta árdua. Bolsonaro havia permitido que o desmatamento da Amazônia disparasse, zombado do coronavírus como uma gripezinha e evitado a comunidade internacional. Enquanto isso, Ernesto Araújo, o primeiro ministro das Relações Exteriores de seu antecessor, descreveu a mudança climática como um complô de “marxistas culturais” para enfraquecer o Ocidente ajudando a China.
Ao assumir o poder, Lula redefiniu os objetivos diplomáticos do Brasil —esforçando-se pela liderança na diplomacia climática global, revigorando sua batalha contra a fome e a pobreza, e buscando o fim das guerras através de uma postura de não-alinhamento que tenta fomentar a cooperação sem tomar partido.
Em um “turbilhão de diplomacia” desde sua posse, em janeiro de 2023, Lula restabeleceu relações com o presidente dos EUA, Joe Biden, a União Europeia, a África e a China —todos que ficaram afastados durante a gestão Bolsonaro—, além de manter laços com a Rússia e a Índia.
“É uma política externa que busca independência através do equilíbrio no mundo e da multipolaridade”, diz Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores nos mandatos anteriores de Lula e agora seu principal assessor em assuntos internacionais. “Não queremos o mundo dominado por um país ou por uma ideologia, ou muito menos por uma pessoa.”
No entanto, a postura do país às vezes causa desconforto em Washington e Bruxelas. O desejo de Lula de atuar como pacificador na Guerra da Ucrânia irritou apoiadores de Kiev, que o acusaram de favorecer a Rússia, especialmente quando ele recebeu o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, em Brasília, em abril de 2023.
Mesmo antes de sua eleição, o presidente irritou aliados europeus e americanos da Ucrânia ao sugerir que Kiev era igualmente culpada com Moscou pelo conflito. Depois de Lula ter sugerido, no ano passado, que Washington estava prolongando a guerra ao fornecer armas à Ucrânia, um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA acusou Brasília de “papaguear a propaganda russa e chinesa”.
Diplomatas brasileiros insistem que o Brasil votou para condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia na ONU (Índia e África do Sul se abstiveram), e aliados de Lula rejeitam a acusação de parcialidade. “Não estou justificando o que a Rússia fez. Sou crítico”, diz Amorim. “O presidente Lula foi crítico, mas pensar que você pode destruir a Rússia… [é] uma ilusão perigosa.”
Nem todos compram esse argumento. Alguns apontam para os fortes laços econômicos do Brasil com a Rússia como prova de que Brasília não é neutra. Moscou é o maior fornecedor de fertilizantes para o setor agrícola do Brasil, e o Brasil tem sido um comprador ávido de diesel russo, enquanto o Ocidente boicota os combustíveis de Moscou.
Embora possa ser impopular em grande parte do Ocidente, a posição de Lula sobre a Ucrânia é amplamente compartilhada em todo o mundo em desenvolvimento. Nações como Índia, China, México e África do Sul concordam com a visão de que os EUA e a Europa deveriam buscar uma solução diplomática para o conflito, em vez de enviar armas cada vez mais poderosas para Kiev e impor sanções econômicas draconianas a Moscou.
“Sobre a Ucrânia, sobre outras questões políticas, seja no Oriente Médio, seja lidando com a China, Lula tem direcionado o Brasil para políticas amplamente não alinhadas que estão sendo seguidas por outros dos poderes emergentes no G20”, diz Michael McKinley, ex-alto funcionário do Departamento de Estado e embaixador dos EUA no Brasil.
Todas essas nações estão “trabalhando em um cenário desafiador, [tentando] manter canais abertos e ao mesmo tempo perseguir seus próprios interesses nacionais”, acrescenta.
Na mesma linha, a comparação de Lula da ação militar de Israel em Gaza ao Holocausto pode ter sublinhado diferenças com Washington e levado o governo israelense a declará-lo persona non grata. Mas está muito mais em sintonia com os posicionamentos de outras nações em desenvolvimento do G20, como Índia, Turquia, Arábia Saudita e África do Sul —este último que apresentou uma acusação de genocídio contra Israel no principal tribunal da ONU.
O embaixador da África do Sul no Brasil elogia a plataforma de política externa de Lula. “Do ponto de vista da África do Sul, é positivo. E para o bem do Sul Global [jargão impreciso para países emergentes], devemos apoiá-lo”, diz Vusumuzi Wellington. “O Brasil havia desaparecido do palco global. Agora sua posição melhorou.”
Em casa, no entanto, as posições de Lula atraíram críticas de conservadores que o acusam de perder credibilidade com parceiros tradicionais do Brasil. “A posição deste governo em relação aos conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio distanciou o Brasil do Ocidente”, diz Marcos Troyjo, ex-diplomata nomeado por Bolsonaro para chefiar o banco do Brics.
Ele argumenta que o governo Lula abandonou valores fundamentais e prejudicou os interesses do Brasil “em um abraço bastante ingênuo da retórica do Sul Global”. “A consequência é que o Brasil acaba lutando abaixo de seu peso potencial”, acrescenta.
Outros alertam contra os perigos da ambição excessiva. “O Brasil é uma potência regional média”, diz Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior e ex-embaixador brasileiro em Washington. “Não temos o poder excedente para influenciar grandes questões de guerra e paz no mundo.”
Amorim, assessor de Lula, contrapõe que “parte do trabalho é precisamente atuar contra essa polarização, que é ruim para o mundo. É ruim para a China, mas também é ruim para os Estados Unidos“.
Entre os diplomatas ocidentais, no entanto, há ansiedade sobre a direção que o Brasil pode tomar. A proximidade de Brasília com Pequim, de longe seu maior parceiro comercial, é uma fonte particular de preocupação. “Para onde o Brasil está indo? É equidistante ou se volta para o leste?” pergunta um alto funcionário europeu. “Nosso interesse é tornar parceiros democráticos como o Brasil mais fortes.”
No entanto, Bruxelas ainda não conseguiu garantir a ratificação de um acordo comercial histórico entre a UE e o bloco Mercosul, de nações sul-americanas, que foi impulsionado por Brasília, um tratado que pode servir para diminuir a dependência do Brasil da China.
Durante seu primeiro mandato como presidente, de 2003 a 2011, Lula usou o pragmatismo para construir pontes entre os mundos desenvolvido e em desenvolvimento. Ele cultivou boas relações de trabalho em todo o espectro político, desde o presidente dos EUA, George W. Bush, até o falecido líder socialista revolucionário venezuelano Hugo Chávez.
Em um mundo enfrentando múltiplas guerras e uma crise climática, tais habilidades são ainda mais demandadas. “Resultados tangíveis incluem a reintegração do Brasil em fóruns internacionais, especialmente na agenda climática”, diz Fernanda Magnotta, professora de relações internacionais na Fundação Armando Alvares Penteado em São Paulo.
Ela cita a escolha do país para sediar a cúpula COP30 em Belém e a restauração do Fundo Amazônia, que é gerido pelo banco de desenvolvimento estatal BNDES e financia projetos de conservação com contribuições estrangeiras, mas que havia sido congelado sob Bolsonaro.
Junto com a Índia, o Brasil também tem trilhado um caminho cuidadoso dentro do Brics, tentando garantir que o bloco não se torne explicitamente antiocidental. Brasília aceitou relutantemente a expansão do Brics no ano passado para incluir Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos —um objetivo chave da China— mas até agora não se juntou a outros 22 países latino-americanos e caribenhos na adesão ao programa internacional de infraestrutura da China, a Iniciativa do Cinturão e Rota.
Para o Brasil, diz Stuenkel, “o Brics é importante para mostrar a Washington que o país tem alternativas. [Não aderir ao Cinturão e Rota] é importante para mostrar à China que [o Brasil] é um parceiro-chave, mas não desesperado por seus investimentos.”
Lula também encontrou consideráveis desafios diplomáticos em seu próprio quintal. A chamada “onda rosa”, de governos latino-americanos majoritariamente de esquerda na qual ele nadou em seus dois primeiros mandatos, foi substituída por um cenário regional mais antagonista. Governos conservadores nos vizinhos Argentina e Paraguai, além de Equador e El Salvador, têm entrado em conflito com os presidentes de esquerda de Chile, Colômbia e México. Poucos estão dispostos a se submeter a Lula, o veterano porta-estandarte da esquerda latino-americana.
Lula também tem lutado para reviver a Unasul, a organização intergovernamental sul-americana de suas presidências anteriores, e seus esforços para resolver a prolongada crise política da vizinha Venezuela até agora não levaram a lugar nenhum. As relações com o ditador Nicolás Maduro têm sido tensas pela insistência deste último de que venceu a eleição em julho, após um resultado oficial que a maioria dos observadores independentes acredita ter sido fraudulento.
Após pedidos brasileiros para que ele apresentasse provas de sua vitória resultarem em meses de obstrução por parte de Maduro, Lula se recusou a reconhecer o resultado da eleição. Dadas as longas relações políticas entre o Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula e o movimento socialista revolucionário PSUV de Maduro, esse foi um desfecho que poucos esperavam.
Falando em audiência no Congresso, Amorim disse que houve uma “quebra de confiança” na Venezuela, levando Caracas a acusá-lo de ser um “mensageiro do imperialismo norte-americano”. Após o Brasil bloquear os esforços da Venezuela para se juntar ao Brics, Caracas retirou seu embaixador do Brasil e reclamou de “agressão imoral”.
Gunther Rudzit, professor assistente de assuntos internacionais na ESPM, acredita que as lutas de Lula pela integração regional representam uma derrota na política externa. “Se não conseguimos resolver problemas regionais, tentar liderar o Sul Global é simplesmente impossível”, diz ele.
Mas outros, como McKinley, são mais otimistas. “Acho que o Brasil respondeu a um ambiente global mudado”, diz ele. “Vendo onde o Brasil se encaixa, onde o Brasil pode influenciar e onde talvez precise recuar um pouco.”
Há amplo consenso de que a questão das mudanças climáticas é onde o Brasil tem mais potencial —e autoridade moral— para exercer liderança diplomática. O desmatamento da Amazônia caiu drasticamente sob Lula, e o país já gera a maior parte de sua eletricidade a partir de fontes renováveis e é líder em biocombustíveis.
Alguns ativistas ambientais reclamam de hipocrisia, dado que Lula é a favor da expansão da produção de petróleo do Brasil. Mas o argumento de Brasília de que as receitas dos hidrocarbonetos podem ajudar a financiar a transição verde e programas sociais ressoa em outros países em desenvolvimento ricos em combustíveis fósseis.
No Rio, na próxima semana, o Brasil deve lançar formalmente uma aliança internacional contra a fome, um tema caro a Lula, dada sua experiência de infância na pobreza. Outra proposta chave de sua presidência no G20 é um imposto global sobre os super-ricos. Embora os EUA tenham esfriado a ideia, o Brasil acredita que sua hora chegará.
“É como plantar sementes”, diz um assessor de Lula. “Pense na ideia do Sul Global. Demorou muito, mas agora está florescendo.”
No entanto, o que deveria ser o momento de brilho de Lula agora corre o risco de ser ofuscado pela eleição de Trump como presidente dos EUA. O ceticismo do republicano sobre o aquecimento global e o desdém pelo multilateralismo ameaçam alguns dos principais objetivos da política externa do Brasil, segundo analistas.
Thomas Traumann, consultor político e ex-ministro das comunicações do Brasil, diz que Lula havia “planejado ser o centro do show”, mas a turbulência política em Washington complicará as coisas. “O G20 provavelmente será uma cúpula de líderes tentando entender o que Trump fará ou não fará”, afirma.