A mulher que sofreu quase cem estupros enquanto era dopada pelo próprio marido, ao longo de dez anos, afirmou em depoimento à Justiça da França, nesta quinta-feira (5), que teve a vida salva pelos policiais.
A vítima, Gisèle Pelico, 71, foi ao tribunal no quarto dia de julgamento em Avignon, no sul francês. No total, 51 homens, incluindo seu marido, são réus no caso que horrorizou o país.
O caso veio à tona depois da captura de Dominique Pelicot, 71, o ex-marido da vítima, flagrado em um shopping filmando outras mulheres por baixo de suas saias no ano de 2020. Nos dias seguintes à prisão, os investigadores encontraram em seus computadores cerca de 4.000 fotos e vídeos de sua esposa inconsciente e sendo estuprada por dezenas de homens.
“Meu mundo está desabando. Tudo está desabando, tudo o que eu construí durante 50 anos”, disse Gisèle ao comentar o momento em que a polícia lhe mostrou algumas das fotos em 2 de novembro de 2020. “Os policiais salvaram a minha vida.”
“[Nas imagens] apareço inerte na cama e estão me estuprando. São cenas bárbaras”, disse ela aos cinco magistrados. “Me trataram como uma boneca de pano. Eu me pergunto como aguentei [aos estupros].”
Os investigadores identificaram 92 estupros desde 2011, quando o casal vivia na região de Paris. Os crimes ficaram mais frequentes a partir de 2013, quando eles se mudaram para Mazan, e ocorreram até 2020. Ainda segundo a polícia, o marido da vítima fazia a mulher ingerir ansiolíticos antes dos estupros. Ele orientava os outros homens, encontrados em um site de relacionamento, que não a acordasse.
Entre os réus estão 51 homens com idades que variam de 26 a 74 anos, incluindo Dominique Pelicot, que pode pegar até 20 anos de prisão. Na maior parte das vezes, os criminosos não usaram preservativos.
“Por um extraordinário golpe de sorte, [a vítima] não contraiu HIV, sífilis ou hepatite”, disse a médica Anne Martinat Sainte-Beuve. A especialista, porém, relatou aos juízes que a mulher contraiu pelo menos quatro infecções sexualmente transmissíveis.
Alguns dos acusados disseram não ter conhecimento de que o marido fazia a vítima ingerir comprimidos para dormir. Eles argumentaram que, ao cometer o crime, acreditavam estar participando de fantasias sexuais do casal. Em seu depoimento, Gisèle disse que não houve consentimento com nenhum dos réus.
“Nunca pratiquei troca de parceiros. Gostaria de deixar claro”, disse ela. “Nunca fui cúmplice nem fingi que estava dormindo”.
Dos homens que a estupraram, Gisèle disse só reconhecer um, além de seu ex-marido. Ela disse que o agressor foi à sua casa para conversar sobre ciclismo com Dominique. “Às vezes eu o encontrava na padaria e o cumprimentava. Mas não passava pela minha cabeça que ele tinha me estuprado”, afirmou.
O julgamento deve se estender pelo menos até 20 de dezembro. O ex-marido da vítima deve depor pela primeira vez na semana que vem. Segundo a advogada Béatrice Zavarro, ele chegou a desmaiar no intervalo da audiência. “Ele está envergonhado pelo que fez. É imperdoável”, disse ela na segunda (2).
“Falo por todas estas mulheres que estão drogadas e não sabem disso, em nome de todas estas mulheres que talvez nunca saibam, para que mais mulheres não tenham que sofrer submissão química”, disse Gisèle Pelicot, que rejeitou as audiências a portas fechadas.
Embora sua família inicialmente tivesse solicitado que seu sobrenome não fosse revelado, os advogados autorizaram a divulgação nesta quinta porque “mais do que nunca [seus filhos] estão orgulhosos da mãe”.