Os restos mortais dos reféns retornaram pela última vez aos vilarejos que, em vida, chamavam de lar. Meses de espera angustiante chegaram ao fim, os enlutados se abraçaram, choraram, leram homenagens e enterraram os corpos dos israelenses recuperados esta semana da Faixa de Gaza.
Mas o luto teve que dividir espaço com a fúria contra os líderes de Israel, incluindo o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, por não concordarem com um cessar-fogo com o Hamas que poderia ter salvo a vida dos sequestrados.
“Vocês foram abandonados, repetidamente, pelo primeiro-ministro e seus ministros, aos túneis do Hamas”, disse Keren Munder —ela mesma uma ex-refém— enquanto enterrava seu pai, Abraham Munder, na quarta-feira (21) em sua cidade natal, Nir Oz. Explosões distantes e barulhos de tiros ocasionalmente interrompiam sua homenagem, lembranças da guerra entre Israel e o Hamas, agora em seu 11º mês.
As forças israelenses recuperaram esta semana os corpos de seis das pessoas feitas reféns no ataque liderado pelo Hamas em 7 de outubro em Israel: Abraham Munder, 79 anos; Haim Peri, 80 anos; Yoram Metzger, 80 anos; e Alexander Dancyg, 75 anos, todos de Nir Oz; e Nadav Popplewell, 51 anos, e Yagev Buchshtab, 35 anos, ambos de uma comunidade próxima, Nirim.
Ainda não está claro quando ou como eles morreram. Na quinta-feira (22), o exército israelense disse que patologistas forenses haviam avaliado preliminarmente que os corpos dos seis reféns mostravam sinais de terem sido atingidos por tiros, mas não puderam determinar se os tiros foram fatais. Em um comunicado, uma organização que representa as famílias dos reféns disse que as autópsias revelaram balas em seus corpos.
Eles foram encontrados ao lado de outros quatro corpos sem ferimentos de bala, que se presumia serem seus captores, disse o exército israelense. Tel Aviv acrescentou que apenas conclusões preliminares haviam sido alcançadas e que a investigação ainda estava em andamento.
“Eles estavam vivos, com certeza. Eles não foram sequestrados mortos. Eu estava com eles, dormi ao lado deles”, disse Danielle Aloni, uma refém libertada que encontrou cinco dos homens enquanto quando estava sequestrada em Gaza. “Eles poderiam ter sido salvos, e deveriam ter sido salvos.”
O Hamas liderou um ataque surpresa a Israel em 7 de outubro que matou cerca de 1.200 pessoas. Por volta de 250 pessoas foram feitas reféns naquele dia, e mais de 100 dos sequestrados foram libertados durante um cessar-fogo de uma semana em novembro —muitos deles mulheres e crianças, incluindo Keren Munder, Aloni e a esposa de Buchshtab, Rimon.
Israel respondeu ao ataque de 7 de outubro com uma campanha de bombardeios que matou dezenas de milhares de palestinos, destruiu amplas áreas de Gaza e forçou quase todos os seus residentes a fugir.
Mais de 100 dos reféns permanecem em Gaza, incluindo dezenas que são considerados mortos pelas autoridades israelenses. Houve alegações contraditórias e não verificadas durante a guerra de que reféns foram mortos em bombardeios israelenses ou assassinados por seus guardas.
Netanyahu resistiu à intensa pressão de aliados internacionais, militares israelenses e muitos cidadãos comuns para negociar um acordo que incluísse a libertação dos reféns restantes. Ele endureceu suas condições para um cessar-fogo nas últimas semanas e acusou o Hamas de fazer o mesmo.
Prometendo “vitória absoluta” sobre o grupo terrorista, Netanyahu disse que essa é a melhor maneira de libertar os reféns. Adversários chamam esses objetivos de contraditórios.
“Está claro para todos que o retorno dos reféns só é possível por meio de um acordo”, disse o Fórum de Famílias de Reféns em um comunicado na quinta-feira. “A recuperação dos seis corpos não é uma conquista; é um testemunho da completa falha em alcançar um acordo a tempo.”
As operações de resgate militar israelense libertaram apenas sete reféns, enquanto mataram dezenas de palestinos. O exército israelense disse que tais operações não podem libertar todos os reféns, muitos dos quais acredita-se estarem espalhados nos extensos túneis do Hamas.
Na estrada sinuosa para Nir Oz na quarta-feira, um punhado de pessoas de camisetas pretas segurava cartazes pedindo perdão à família Munder por seu patriarca não ter sido resgatado a tempo.
O ataque de 7 de outubro devastou Nir Oz, um kibutz tranquilo a menos de quatro quilômetros da fronteira de Gaza, onde mais de um quarto dos 400 residentes foram mortos ou sequestrados.
A família Munder personifica esse sofrimento. Abraham Munder morreu em cativeiro e seu filho, Roy, foi morto no 7 de outubro. Três outros membros da família também foram sequestrados e libertados em novembro: Ruti, esposa de Abraham Munder; a filha deles, Keren, e o filho de Keren, Ohad, que tinha 9 anos.
Merav Mor Raviv, sobrinha de Abraham Munder, o descreveu como um homem gentil, humilde e dedicado à família. Ela disse que a família foi informada de que ele sobreviveu pelo menos até o início de março.
“Podiam tê-lo trazido de volta —acordos possíveis foram apresentados”, disse ela.
Ao se dirigir ao seu pai em seu enterro, Keren Munder acusou o governo de “te sacrificar e aos que são como você. Se ao menos não tivessem buscado uma imagem ilusória de vitória.”
Os funerais reuniram parentes, amigos e vizinhos, mas também estranhos que vieram de todo o país para se solidarizar com os sobreviventes. Com a informalidade característica de Israel, alguns enlutados ficaram ao lado das sepulturas de camiseta, jeans e chinelos.
Larry Butler, 74 anos, perdeu dezenas de amigos e parentes no ataque a Nir Oz em 7 de outubro. Ele disse que os moradores de esquerda do kibutz se sentiram profundamente abandonados pelo governo de direita, por não conseguir protegê-los e trazer os reféns de volta para casa.
“Isso faz você se perguntar se realmente há um futuro em Israel”, disse Butler, olhando para as sepulturas que se juntaram às fileiras silenciosas do cemitério desde o ataque.
Todos os seis reféns cujos corpos foram encontrados na segunda-feira provavelmente sobreviveram às condições terríveis por meses, de acordo com suas famílias. As autoridades israelenses haviam anunciado no mês passado que cinco deles —todos exceto Abraham Munder— eram considerados mortos.