Evans Osei Wusu, o viajante de Gana que morreu em agosto após passar mal em uma área restrita do Aeroporto Internacional de Guarulhos, pediu ajuda às autoridades no terminal, mas não foi atendido, e teve o corpo enterrado sem o consentimento de seus familiares.
É isso o que dizem o tio e a prima de Evans, Felix Darrah e Priscilla Osei Wusu, respectivamente. Agora, eles querem vir ao Brasil para pedir esclarecimentos.
O caso do ganês, morto aos 39 anos no último dia 13, jogou luz sobre a falta de infraestrutura do espaço no aeroporto reservado para viajantes impedidos de desembarcar no Brasil.
De acordo com relatos, a maioria dos mais de 500 migrantes que estavam ali no momento do óbito de Evans passavam o tempo em áreas improvisadas perto de portões de embarque, dormiam no chão e tinham sua circulação limitada por funcionários locais.
A família de Evans afirma que ele acabou no aeroporto por uma sequência de negligências. Darrah conta que o sobrinho tinha dificuldade de locomoção e viajou para fazer uma cirurgia após receber um diagnóstico de estenose espinhal, um desgaste na coluna geralmente causado por artrite.
O tio diz que fazer a operação em Gana era uma possibilidade, mas que a falta de equipamentos mais avançados causava preocupação. “Um homem vibrante, com tanta esperança e tantas aspirações. Eu não sei como ele se recuperaria de uma cirurgia assim”, afirma.
Os médicos, então, sugeriram os Estados Unidos ou o México para o tratamento. A partir daí, Darrah quis fazer tudo para minimizar as chances de algo dar errado —contatou alguns hospitais, viu que o país latino-americano seria a melhor opção e, então, mandou o sobrinho com um mês de hotel pago, para não ter problemas.
Mesmo com visto, porém, Evans não foi aceito no México, segundo sua família. Seu tio diz não entender a recusa até hoje, uma vez que até mesmo o médico tentou falar com os serviços de migração. “Talvez por ele ser africano, e o sangue africano poder ser derramado sem que ninguém seja responsabilizado. Ele andava com uma bengala, qualquer ser humano razoável poderia ver que ele tinha um problema”, afirma.
Na viagem de volta, Evans resolveu tentar entrar no Brasil durante uma conexão para receber tratamento, mas também não conseguiu.
Ainda de acordo com o tio, nos dias em que ficou em Guarulhos, começou a sentir desconforto e tentou pedir ajuda aos responsáveis pelo local, traduzindo para o português uma mensagem em que dizia precisar de “ajuda urgente” por estar com uma “dor insuportável” —o texto foi encaminhado à reportagem. Mesmo assim, não foi atendido.
Ele só receberia atendimento após as dores que sentia piorarem e outros migrantes que estavam no local protestarem. Evans foi internado com um quadro de infecção urinária e morreu no hospital por infecção generalizada dois dias depois, dizem os parentes.
Procurada, a concessionária GRU Airport afirma que os passageiros ficam sob os cuidados das companhias aéreas quando estão retidos.
Já a Secretaria Nacional de Justiça diz que não era a responsável por acompanhar o processo e que não foi comunicada sobre a situação do viajante. “A comunicação à Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, aconteceu no dia 16 de agosto, após o falecimento do migrante de Gana”, afirma a pasta.
A Polícia Federal não se manifestou.
Na última quarta-feira (4), os familiares foram informados que o corpo de Evans havia sido enterrado sem o consentimento deles.
“É assim que os brasileiros fazem as coisas? Enterram alguém sem avisar a família ou a embaixada de seu país? Eu não entendo isso. Só preciso de uma resposta”, afirma a prima dele, Priscilla. “Não sei o que dizer. É muito doloroso.”
Segundo ela, a falta de informações perturba a família. “Como vamos acreditar que Evans realmente está morto? Não vimos nenhuma foto de seu corpo”, diz. “O que comprova que sua morte foi natural?”, completa seu tio.
Priscilla lembra de seu primo, com quem viveu na mesma casa durante a infância, como uma pessoa generosa e que, quando criança, adorava jogar futebol.
Darrah diz que Evans era “tranquilo e amigável”. “Ele era alguém livre, de coração aberto, em quem você podia confiar”, afirma. “Era o tipo de pessoa que você conhecia e já gostava.”
Segundo o tio, Evans adorava cozinhar e sabia preparar diversas receitas africanas. “Antes de deixar Gana, ele disse: ‘Posso demorar. Deixa eu preparar alguns pratos para você lembrar de mim.’ Ele cozinhou cinco pratos diferentes e os colocou na geladeira antes de partir”, diz Darrah.