Diferentemente de uma fratura ou de uma gripe, as doenças mentais de maneira geral trazem causas mais profundas do que questões exclusivamente fisiológicas, muitas vezes sendo desencadeadas por fatores emocionais.
O problema é que essas dores emocionais são, em sua maioria, invisíveis, podendo, sim, se confundir com sintomas de outros quadros. A taquicardia, transpiração excessiva, falta de ar, dores no peito e até musculares são apenas alguns dos sintomas mais comuns de ansiedade.
O problema é que diagnósticos como esses, fatalmente, levam a tratamentos que vão lidar apenas com sintomas do problema, e não sua causa.
Seria como tratar uma fratura apenas com analgésicos. Até é possível que o osso se regenere com o tempo, mas sem uma imobilização adequada, ele pode se calcificar fora do lugar, gerando outros problemas e estando sujeito a novas fraturas.
Mais que falar, é preciso ouvir
Pelo menos um terço das nossas horas diárias são dedicados ao trabalho. Nossas mentes ficam focadas naquilo, e é natural que, estatisticamente, muitos gatilhos de transtornos mentais ocorram durante esses períodos. Não necessariamente isto significa que o problema está no trabalho em si, mas uma situação que possa ser natural para uma pessoa, para mim ou para você, pode tocar em pontos delicados, alguma relação traumática do passado, ou até questões mais profundas.
Quando isso ocorre, o primeiro impulso é reprimir esses sentimentos. Seja para fugir ou negar algum luto ou dor nunca processados, ou porque, por ser uma dor “invisível” e subjetiva, temos receio que ela seja confundida como um sinal de fraqueza, preguiça, ou até incompetência.
Ao nos privarmos de falar sobre isso, fatalmente também estamos nos privando de ouvir, não necessariamente a uma palavra de apoio, mas a nós mesmos e um pedido de socorro preso no peito.
Exteriorizar essas angústias é imprescindível para que possamos processá-las, entender de onde elas vieram, por quais motivos elas se manifestaram, bem como os contextos que favoreceram possíveis gatilhos. Isso, inclusive, é essencial para que em um atendimento médico, as doenças mentais sejam identificadas com precisão e tratadas de acordo.
Só que para termos confiança para enfrentar toda essa jornada, que geralmente é dolorosa por si só, é preciso sentir segurança de que isso não irá se tornar munição para represálias, por exemplo.
Criando espaços seguros
A primeira e mais urgente medida que as empresas precisam tomar quando o assunto é saúde mental é deixar claro de que ali há espaços seguros para se falar sobre essas questões, sem julgamentos ou estigmas. Para isso, é preciso oferecer ferramentas para que a comunicação sobre situações delicadas e eventuais gatilhos sejam recebidas de forma a preservar a privacidade e, se for o caso, o anonimato do funcionário. Implementar uma diretoria de compliance ou uma empresa especializada de ouvidoria, é uma estratégia interessante nesses casos.
Mais do que fazer parte do discurso admissional, é necessário que as empresas criem um ambiente que proporcione o bem-estar mental e um real equilíbrio para os colaboradores.Fonte: Getty Images
O ambiente corporativo é exigente, mas é perfeitamente possível coordenar equipes de forma inclusiva, acolhedora, sem que isso pareça quebra de hierarquia. Tanto por isso, essas ouvidorias podem e devem servir tanto para conscientizar os funcionários desse caráter se segurança de comunicação, quanto para treinar as gestões sobre estratégias de liderança mais adequadas à realidade moderna.
Criar programas de bem-estar também é uma medida que pode ajudar a minimizar questões de saúde mental dos funcionários, e oferecer regimes de trabalho mais flexíveis faz parte desse tipo de iniciativa. Não basta incluir plano de academia e de saúde, mas é preciso garantir que as rotinas dos funcionários comportem os períodos necessários para a prática de atividades físicas, tratamentos médicos, e cuidar da saúde na totalidade, sem precisar sacrificar tempo que deveria ser dedicado à família ou ao lazer.
Cultura de combate à toxicidade
Naturalmente, essas práticas são importantes, mas é preciso internalizar na cultura da empresa que a saúde mental é prioridade. Realizar palestras de conscientização em diferentes momentos, e não apenas em setembro, ajuda a quebrar muitos paradigmas, mas nada fala mais alto que ações afirmativas.
Por mais que a rotina do trabalho tenha, sim, situações estressantes, a maioria dos gatilhos são desencadeados por questões interpessoais problemáticas, como assédio (moral e/ou sexual), microgerenciamentos, desrespeito, acúmulo de funções.
Novamente, um setor forte de compliance que age em paralelo ao RH é crucial para que, em casos de denúncias de práticas abusivas, uma eventual investigação seja realizada de forma idônea, sem implicar os funcionários vitimados, independentemente de seu nível hierárquico.
De nada adianta criar um espaço no qual os funcionários são encorajados a falar sobre suas angústias e cuidar de sua saúde, e isso acabar convertido em represálias, ameaças veladas, e outras situações ainda mais estressantes, apenas para proteger gestores que não seguem a cultura da empresa.