Um campo de refugiados batizado em homenagem ao Brasil é um dos cenários da guerra em Gaza. Nas últimas semanas, tanques e soldados israelenses têm passado por suas ruas. Nos céus, seus drones e aviões.
Al-Brazil fica no sul de Rafah, na fronteira com o Egito. É nessa província que Israel tem concentrado seus esforços, que justifica afirmando que a região é hoje refúgio de terroristas armados do Hamas.
O palestino Muhammad Mansur, 27, nasceu ali. Cresceu ouvindo a palavra Brasil. O bairro recebeu esse nome porque soldados brasileiros integraram forças de paz da ONU no local durante os anos 1950 e 1960.
O bairro, onde vivem refugiados de conflitos anteriores com Israel, foi construído em torno de uma rua também de nome Al-Brazil. Segue por alguns quarteirões, desembocando na fronteira entre Gaza e o Egito.
A homenagem faz sentido. O Brasil tem entre os palestinos a fama de ser um país tradicionalmente aliado à sua causa. Uma rua ao lado do mausoléu de Yasser Arafat, líder histórico palestino, chama-se Al-Brazil.
Essa reputação estremeceu durante o governo de Jair Bolsonaro, que privilegiou as relações com Israel e chegou a ameaçar transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv a Jerusalém, decepcionando palestinos.
Sobre o campo Al-Brazil em Rafah, Mansur diz que as casas no local são “simples, de gente pobre, refugiados”. “Mas antes da guerra havia bastante alegria. Jovens se divertiam nas ruas. As famílias se ajudavam. Existia vida, ao menos.”
A situação começou a mudar em 7 de outubro, quando o Hamas atacou Israel em um atentado que deixou 1.200 mortos e tomou 250 reféns, segundo Tel Aviv. O Exército israelense revidou bombardeando a faixa.
As ações israelenses deixaram mais de 37 mil mortos até agora, segundo o Hamas. Organizações internacionais acusam Israel de fazer ataques desproporcionais e de cometer crimes de guerra, algo que Tel Aviv nega.
A princípio, Israel sugeriu aos moradores da Faixa de Gaza que buscassem refúgio na região sul. “Falaram que seria um lugar seguro”, diz Mansur. Centenas de milhares se abrigaram ali nos primeiros meses.
A população da província de Rafah foi de 280 mil para 1,5 milhão de pessoas. Está ali a única passagem para fora de Gaza, ao Egito. Foi por Rafah que dezenas de brasileiros escaparam desde o início da guerra.
Mas já no início do conflito o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, dizia que soldados do Hamas estavam escondidos em Rafah e em seus campos. Ameaçou por semanas enviar seus tanques e soldados para o local. Diversos governos, incluindo o americano, tentaram evitar isso.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, chegou a dizer que poderia reter auxílio militar a Israel caso o país entrasse em Rafah. Havia preocupação devido ao risco de agravar uma já severa crise humanitária. Para além dos bombardeios, moradores relatam falta de comida e água.
Algumas semanas atrás, no início de maio, Israel desafiou seus aliados e invadiu a região. Muitas das famílias abrigadas ali fugiram para outras partes de Gaza. A de Mansur foi para Deir al-Balah, no centro da faixa.
Não há hoje, porém, uma região segura em meio aos bombardeios. Nesta semana, houve uma série de ataques aéreos no centro e no norte da Faixa de Gaza, enquanto tanques aprofundaram suas incursões no sul. Deir al-Balah, onde Mansur está abrigado, foi bombardeada na quinta-feira (20).
O Exército israelense diz agora que, com seus avanços em Rafah, está próximo de seu objetivo: neutralizar o Hamas para evitar novos ataques como o de outubro. Analistas, no entanto, afirmam que a guerra não deve terminar de imediato, mas apenas desacelerar o ritmo das ações.
Por ora, as tentativas de chegar a um cessar-fogo fracassaram. Israel exige o desmonte do Hamas e a soltura dos reféns. Já o Hamas quer o fim total dos ataques e a retirada das forças israelenses de Gaza.
Mansur diz que, enquanto isso, o bairro brasileiro é destruído. “Não há uma casa que não foi danificada”, afirma. “É uma tragédia. Al-Brazil virou um cemitério de famílias, de crianças, de sonhos e de ambições.”